Creio que me tornei professora desde que ganhei o primeiro
quadro negro dos meus pais, juntei pedacinhos de giz que sobravam na sala de aula,
coloquei minhas bonecas sentadas em frente e comecei a repetir para elas o que
a professora dissera no colégio.
Depois, fui professora cada vez que explicava a lição para
os meus colegas que iam estudar ou fazer trabalhos comigo na minha casa.
Alfabetizei várias empregadas domésticas da família, num
tempo sem televisão em que sobravam horas depois do jantar (geralmente às 19h)
até a hora de ir para a cama.
Recebi meu primeiro dinheirinho dando aulas particulares a
partir dos quinze anos, para alunos de uma famosa professora da cidade, que os encaminhava
para mim em busca de reforço, acreditando no potencial daquela jovem normalista.
Ainda como normalista, subi a pé todos os sábados à tarde
até o Presídio Municipal da minha cidadezinha para alfabetizar os presos menos
perigosos, sem receber um centavo por isso.
Com dezoito anos me formei professora, estagiei com uma
turma de alfabetização e me quedei profundamente apaixonada pela profissão e
pelos alunos. Os almoços na minha casa nunca mais foram os mesmos e meu pai já
esperava curioso pelas novidades de cada dia da minha nova experiência. Quando
o estágio acabou e eu pretendia me dedicar à faculdade recém iniciada, a
diretora da escola onde eu estagiara fez de tudo para me contratar, achando que
seria importante para os meus alunos (inclusive o neto dela) continuarem o processo
de alfabetização comigo. A partir daí, acreditei que estava no caminho e na
profissão certos.
Durante a faculdade dei aulas de música como professora
contratada e, tão logo me formei, comecei a lecionar Português e Inglês. E não
parei mais. Meu então marido era militar e seria fácil e cômodo desistir da
minha carreira, segundo alguns incompatível com a dele, já que precisávamos
mudar de cidade de vez em quando e recomeçar a luta por vagas, contratação,
concursos. Além disso, com três filhos pequenos e vivendo sempre longe da família,
não foi fácil nem simples trabalhar fora numa época em que as escolas só
recebiam as crianças no Jardim da Infância a partir dos quatro anos; depois,
mais tarde, dos três. Por conta disso, fiz concurso público em dois estados, lutei
muito para administrar casa e trabalho, mas a minha força sempre veio do
retorno dos alunos, em aprendizagem e afeto. O salário sempre foi muito baixo,
desestimulante e só dois tipos de pessoas podem ser professores: os realmente
vocacionados e aqueles que não conseguiram seguir nenhuma outra profissão e
usam o magistério como bico (infelizmente).
Para conseguir um plano de carreira menos ruim, numa época em
que poucos faziam curso de Pós-graduação, contrariando todas as previsões
catastróficas de falta de tempo para estudar, optei pelo Mestrado, mesmo que, para
isso, tivesse desistido de fazer mais uma mudança e, assim, selado o destino do
meu casamento. Eu não queria ser apenas uma coadjuvante na vida, eu sabia que
podia fazer a diferença na profissão que escolhi e que não seria por ganhar
menos que eu seria menos valorizada. E fiquei. Com os três filhos e um medo
enorme de não dar conta de tudo. Mas dei. Não descuidei um momento da formação
dos meus meninos e logo eles estavam entrando em seus cursos super concorridos
na Universidade Federal. Um médico e dois engenheiros que, não por acaso,
escrevem extremamente bem e correto, porque fui sempre uma mãe professora e
exigente para eles também.
Lecionei desde o primeiro ano do Ensino Fundamental até o
último de vários cursos, especialmente Letras e Pedagogia. Sempre vesti a
camisa, fui apaixonada pelos alunos e acreditei que poderia fazer mais e melhor
por eles! Trabalhei em escolas particulares e escolas públicas, algumas de
comunidades bem carentes, mas sem diminuir a qualidade das aulas e das cobranças
por isso, ao contrário, o desafio maior me estimulava a fazê-los crescer ainda
mais ligeiro e ir mais longe. Fui Paraninfa, professora regente e professora
homenageada de incontáveis turmas, isso que sempre cobrei bastante deles, não
permitindo que meu carinho diminuísse a qualidade das minhas aulas e das
avaliações. Procurei os nomes nas listas dos vestibulares como se fossem meus filhos
e vibrava a cada um encontrado, pois sabia que eles estavam dando um salto
imenso, numa época em que não havia cotas e que o Enem era facultativo e seu
resultado não valia nada.
Para manter os filhos em cursinhos pré-vestibular caros e
cursos superiores que não permitiam que eles trabalhassem, com aulas o dia
inteiro, cheguei a ter três empregos, sempre na área da educação, sempre com
giz nas mãos e letrinhas diante dos olhos. E assim passei do Mestrado ao Doutorado,
agora noutro estado, viajando todas as semanas, uma vez que não havia este
curso na minha área por aqui. Assistia dois dias de aula por semana, o dia
inteiro e, na volta, mal descia do ônibus e já me dirigia para a escola, onde
mais ou menos trezentos alunos por ano me esperavam. Se foi difícil? Muito!
Várias vezes precisei ser acordada pelo motorista do ônibus antes do carro ir
para a garagem, desfalecida de cansaço. Se valeu a pena? Claro! Aprendi muito, inclusive
a saber o quanto eu poderia fazer e render, além de ser apresentada a caminhos mágicos
da Literatura Universal e especialmente aos grandes autores brasileiros.
Agora eu já poderia me aposentar. E ninguém diria que eu
ganhava pouco porque não me dedicara mais. Estudei tudo o que havia para ser
estudado por aqui, fui até a última letra do plano de carreira e, se ainda continuo
com um salário tão baixo, é porque a educação não gera votos e os políticos só
a usam nas campanhas eleitorais, logo a deixando de lado e sucateando o que
podem nela. Sempre que o governo precisa economizar, os primeiros cortes de
verbas são sempre na educação. Lamentavelmente...
Aposentada, me tornei babá dos netos e, tão logo eles
aprenderam a segurar o lápis, voltei a ensinar, no começo exercícios de coordenação
motora, depois palavrinhas, redações e hoje inclusive línguas estrangeiras.
Por tudo isso, penso que tenho bagagem suficiente para
afirmar que nem todas as crianças podem ser educadas, que nem todos os jovens
se transformam com a educação e que a índole conta bastante. Alunos oriundos de
famílias desestruturadas, na bandidagem, se revelam joias raras na educação e
outros, com todas as condições de estudar, não querem nada com nada e só se satisfazem
destruindo o que os outros construíram. Desde a mais tenra idade o professor
percebe uma índole diferente em alguns alunos, que roubam e espancam os coleguinhas,
mentem cada vez melhor e com mais frequência, colam nas provas, desrespeitam os
professores e não é por falta de empenho ou de escola. Quando os pais são
chamados, na maioria das vezes, se revelam também reféns desses pequenos
tiranos.
Falo também que a inclusão de alunos especiais por enquanto
é só balela, que os professores não são preparados para atender essas crianças
e que a tal inclusão só serve para os alunos dito “normais” terem conhecimento
das deficiências dos coleguinhas, mais nada. Eles pouco aprendem, seus pais são
massacrados com queixas e reclamações e o estado faz de conta que pratica a inclusão
apenas por ter ditado leis e normas que a autorizam.
Digo também que os planos de ensino são sempre defeituosos,
muitas vezes importados de outros países, com outras realidades – e onde
geralmente fracassaram – e elaborados por quem nunca pisou numa sala de aula, o
que faz com que mais compliquem do que ajudem os professores.
Tirando o dourado da pílula afirmo que o salário nivela por
baixo e que ótimos professores fogem do magistério, enquanto outros que
poderiam brilhar se recusam a abraçar essa profissão, restando gente pouco
vocacionada e muitos que fingem trabalhar e pouco se esforçam para mudar alguma
coisa. Exceções só confirmam a regra e ainda bem que existem!
Enfim, deixem de dizer que esses menores vândalos, que andam
barbarizando nas ruas, matando pessoas, saqueando lojas, queimando ônibus
seriam diferentes se passassem pela escola. Na maior parte das vezes eles já
estiveram lá, já agrediram colegas e professores, já venderam drogas, já foram
armados para a escola, já ameaçaram todo mundo, roubaram carros, enfim, a educação
é fundamental, é transformadora, mas não faz nada sozinha, se não houver a contribuição
essencial da família, da sociedade e do exemplo dos políticos.
Por isso, hoje, no Dia do Professor, minha homenagem a todos
que encaram essa profissão como uma missão em suas vidas, para todos os que se
regozijam quando conseguem fazer o aluno aprender, para todos que viram cantores,
artistas, contadores de histórias, atores, no afã de melhorar suas aulas e
cativar seus alunos; a todos que recebem seu contracheque com vergonha,
pensando em como fazer para aquilo chegar até o fim do mês. Vocês merecem
muito! Vocês merecem tudo! E pobre da nação que pensa que poderia prescindir do
trabalho de vocês! Que hoje recebam muitos abraços apertados, muitos beijos e
aquelas palavrinhas mágicas que fazem tudo ter valido a pena:
- Obrigado Professor!
Fotografada em frente à reitoria da UFSC pela então minha aluna de Letras - Rose Broering.
Um comentário:
Que lindo texto! Uma verdade! Um incentivo! Quero ser metade da professora que és! Obrigada
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