quinta-feira, 15 de outubro de 2015

EDUCAÇÃO SEM MEIAS PALAVRAS - palavra de professor!



                         Creio que me tornei professora desde que ganhei o primeiro quadro negro dos meus pais, juntei pedacinhos de giz que sobravam na sala de aula, coloquei minhas bonecas sentadas em frente e comecei a repetir para elas o que a professora dissera no colégio.
                       Depois, fui professora cada vez que explicava a lição para os meus colegas que iam estudar ou fazer trabalhos comigo na minha casa.
                        Alfabetizei várias empregadas domésticas da família, num tempo sem televisão em que sobravam horas depois do jantar (geralmente às 19h) até a hora de ir para a cama.
                       Recebi meu primeiro dinheirinho dando aulas particulares a partir dos quinze anos, para alunos de uma famosa professora da cidade, que os encaminhava para mim em busca de reforço, acreditando no potencial daquela jovem normalista.
                       Ainda como normalista, subi a pé todos os sábados à tarde até o Presídio Municipal da minha cidadezinha para alfabetizar os presos menos perigosos, sem receber um centavo por isso.
                      Com dezoito anos me formei professora, estagiei com uma turma de alfabetização e me quedei profundamente apaixonada pela profissão e pelos alunos. Os almoços na minha casa nunca mais foram os mesmos e meu pai já esperava curioso pelas novidades de cada dia da minha nova experiência. Quando o estágio acabou e eu pretendia me dedicar à faculdade recém iniciada, a diretora da escola onde eu estagiara fez de tudo para me contratar, achando que seria importante para os meus alunos (inclusive o neto dela) continuarem o processo de alfabetização comigo. A partir daí, acreditei que estava no caminho e na profissão certos.
                         Durante a faculdade dei aulas de música como professora contratada e, tão logo me formei, comecei a lecionar Português e Inglês. E não parei mais. Meu então marido era militar e seria fácil e cômodo desistir da minha carreira, segundo alguns incompatível com a dele, já que precisávamos mudar de cidade de vez em quando e recomeçar a luta por vagas, contratação, concursos. Além disso, com três filhos pequenos e vivendo sempre longe da família, não foi fácil nem simples trabalhar fora numa época em que as escolas só recebiam as crianças no Jardim da Infância a partir dos quatro anos; depois, mais tarde, dos três. Por conta disso, fiz concurso público em dois estados, lutei muito para administrar casa e trabalho, mas a minha força sempre veio do retorno dos alunos, em aprendizagem e afeto. O salário sempre foi muito baixo, desestimulante e só dois tipos de pessoas podem ser professores: os realmente vocacionados e aqueles que não conseguiram seguir nenhuma outra profissão e usam o magistério como bico (infelizmente).
                           Para conseguir um plano de carreira menos ruim, numa época em que poucos faziam curso de Pós-graduação, contrariando todas as previsões catastróficas de falta de tempo para estudar, optei pelo Mestrado, mesmo que, para isso, tivesse desistido de fazer mais uma mudança e, assim, selado o destino do meu casamento. Eu não queria ser apenas uma coadjuvante na vida, eu sabia que podia fazer a diferença na profissão que escolhi e que não seria por ganhar menos que eu seria menos valorizada. E fiquei. Com os três filhos e um medo enorme de não dar conta de tudo. Mas dei. Não descuidei um momento da formação dos meus meninos e logo eles estavam entrando em seus cursos super concorridos na Universidade Federal. Um médico e dois engenheiros que, não por acaso, escrevem extremamente bem e correto, porque fui sempre uma mãe professora e exigente para eles também.
                            Lecionei desde o primeiro ano do Ensino Fundamental até o último de vários cursos, especialmente Letras e Pedagogia. Sempre vesti a camisa, fui apaixonada pelos alunos e acreditei que poderia fazer mais e melhor por eles! Trabalhei em escolas particulares e escolas públicas, algumas de comunidades bem carentes, mas sem diminuir a qualidade das aulas e das cobranças por isso, ao contrário, o desafio maior me estimulava a fazê-los crescer ainda mais ligeiro e ir mais longe. Fui Paraninfa, professora regente e professora homenageada de incontáveis turmas, isso que sempre cobrei bastante deles, não permitindo que meu carinho diminuísse a qualidade das minhas aulas e das avaliações. Procurei os nomes nas listas dos vestibulares como se fossem meus filhos e vibrava a cada um encontrado, pois sabia que eles estavam dando um salto imenso, numa época em que não havia cotas e que o Enem era facultativo e seu resultado não valia nada.
                            Para manter os filhos em cursinhos pré-vestibular caros e cursos superiores que não permitiam que eles trabalhassem, com aulas o dia inteiro, cheguei a ter três empregos, sempre na área da educação, sempre com giz nas mãos e letrinhas diante dos olhos. E assim passei do Mestrado ao Doutorado, agora noutro estado, viajando todas as semanas, uma vez que não havia este curso na minha área por aqui. Assistia dois dias de aula por semana, o dia inteiro e, na volta, mal descia do ônibus e já me dirigia para a escola, onde mais ou menos trezentos alunos por ano me esperavam. Se foi difícil? Muito! Várias vezes precisei ser acordada pelo motorista do ônibus antes do carro ir para a garagem, desfalecida de cansaço. Se valeu a pena? Claro! Aprendi muito, inclusive a saber o quanto eu poderia fazer e render, além de ser apresentada a caminhos mágicos da Literatura Universal e especialmente aos grandes autores brasileiros.
                            Agora eu já poderia me aposentar. E ninguém diria que eu ganhava pouco porque não me dedicara mais. Estudei tudo o que havia para ser estudado por aqui, fui até a última letra do plano de carreira e, se ainda continuo com um salário tão baixo, é porque a educação não gera votos e os políticos só a usam nas campanhas eleitorais, logo a deixando de lado e sucateando o que podem nela. Sempre que o governo precisa economizar, os primeiros cortes de verbas são sempre na educação. Lamentavelmente...
                           Aposentada, me tornei babá dos netos e, tão logo eles aprenderam a segurar o lápis, voltei a ensinar, no começo exercícios de coordenação motora, depois palavrinhas, redações e hoje inclusive línguas estrangeiras.
                          Por tudo isso, penso que tenho bagagem suficiente para afirmar que nem todas as crianças podem ser educadas, que nem todos os jovens se transformam com a educação e que a índole conta bastante. Alunos oriundos de famílias desestruturadas, na bandidagem, se revelam joias raras na educação e outros, com todas as condições de estudar, não querem nada com nada e só se satisfazem destruindo o que os outros construíram. Desde a mais tenra idade o professor percebe uma índole diferente em alguns alunos, que roubam e espancam os coleguinhas, mentem cada vez melhor e com mais frequência, colam nas provas, desrespeitam os professores e não é por falta de empenho ou de escola. Quando os pais são chamados, na maioria das vezes, se revelam também reféns desses pequenos tiranos.
                           Falo também que a inclusão de alunos especiais por enquanto é só balela, que os professores não são preparados para atender essas crianças e que a tal inclusão só serve para os alunos dito “normais” terem conhecimento das deficiências dos coleguinhas, mais nada. Eles pouco aprendem, seus pais são massacrados com queixas e reclamações e o estado faz de conta que pratica a inclusão apenas por ter ditado leis e normas que a autorizam.
                            Digo também que os planos de ensino são sempre defeituosos, muitas vezes importados de outros países, com outras realidades – e onde geralmente fracassaram – e elaborados por quem nunca pisou numa sala de aula, o que faz com que mais compliquem do que ajudem os professores.
                           Tirando o dourado da pílula afirmo que o salário nivela por baixo e que ótimos professores fogem do magistério, enquanto outros que poderiam brilhar se recusam a abraçar essa profissão, restando gente pouco vocacionada e muitos que fingem trabalhar e pouco se esforçam para mudar alguma coisa. Exceções só confirmam a regra e ainda bem que existem!
                          Enfim, deixem de dizer que esses menores vândalos, que andam barbarizando nas ruas, matando pessoas, saqueando lojas, queimando ônibus seriam diferentes se passassem pela escola. Na maior parte das vezes eles já estiveram lá, já agrediram colegas e professores, já venderam drogas, já foram armados para a escola, já ameaçaram todo mundo, roubaram carros, enfim, a educação é fundamental, é transformadora, mas não faz nada sozinha, se não houver a contribuição essencial da família, da sociedade e do exemplo dos políticos.
                          Por isso, hoje, no Dia do Professor, minha homenagem a todos que encaram essa profissão como uma missão em suas vidas, para todos os que se regozijam quando conseguem fazer o aluno aprender, para todos que viram cantores, artistas, contadores de histórias, atores, no afã de melhorar suas aulas e cativar seus alunos; a todos que recebem seu contracheque com vergonha, pensando em como fazer para aquilo chegar até o fim do mês.  Vocês merecem muito! Vocês merecem tudo! E pobre da nação que pensa que poderia prescindir do trabalho de vocês! Que hoje recebam muitos abraços apertados, muitos beijos e aquelas palavrinhas mágicas que fazem tudo ter valido a pena:
                        - Obrigado Professor!


 Fotografada em frente à reitoria da UFSC pela então minha aluna de Letras - Rose Broering.



 

Um comentário:

Ane Aguiar disse...

Que lindo texto! Uma verdade! Um incentivo! Quero ser metade da professora que és! Obrigada