sábado, 15 de agosto de 2020

ERA MELHOR!

                          Certa vez, uma conterrânea me chamou de saudosista lendo as minhas crônicas no jornal da nossa terra. Não sei se o intuito dela era me ofender, o que sei é que até concordei com ela e agradeci aos Céus o fato de ter coisas boas para lembrar. Acredito que o termo só se torna pejorativo quando nos prendemos ao passado negando o presente e virando de costas para o futuro. O que, obviamente, não é o meu caso.

                               Reconheço – e usufruo - de muitas descobertas desse tempo, principalmente na área tecnológica. Não há como negar que daquele telefone de manivela da minha casa, via telefonista, que a gente precisava falar aos gritos até esses celulares de último tipo que trazem a imagem do meu filho lá no Japão para bem pertinho houve um passo gigantesco. E a quantidade de panelas que a gente sujava para aquecer um leite, um prato de comida no fogão a lenha e depois no fogão a gás? Mamadeiras preparadas nas madrugadas frias antes do forno de micro-ondas. Sem televisão e depois com Bombril na ponta da antena para diminuir os chuviscos na tela em preto e branco. Banheiros distantes e frios com chuveiros precários e não muito quentes. Enfim, muita coisa mudou para melhor no dia a dia e o computador e a internet abriram as portas do mundo dentro da nossa casa.

                              Agora, tinha coisa que era muito melhor! Não dá para negar. Principalmente a liberdade! Liberdade de crianças, jovens e idosos andarem livremente pelas ruas sem medo de assaltos, ou de carros velozes. Nossa casa ficava o dia todo com as portas apenas encostadas, quando não esquecidas abertas e só eram chaveadas na hora de dormir. No verão, meu pai dormia com as janelas abertas (não tinha ventilador, nem ar condicionado), apesar do 38 debaixo do travesseiro… Quantas vezes peguei carona na carroça do leiteiro para ir até a escola! Imagina se alguém iria abusar da filha do seu Ramos! A gente nem pensava nisso. A meninada ia toda a pé, sozinha, para a escola e voltava em bandos do mesmo jeito. As famílias tinham hora para fazer as refeições e conversavam até a hora de dormir. Quantas histórias minha avó e meu pai contaram nesses serões! Como a gente aprendia coisas de outras gerações e sobre muitos antepassados!

                               Minha netinha mais nova, que nem completou dois anos, procura filmes e desenhos no YouTube como gente grande. A mais velha faz filmagens criativas, o meninão é “fera” nos jogos, as duas do meio criaram até um canal, enfim, a tecnologia faz parte da vida deles. Mas as meninas não têm liberdade sequer para comprar um picolé na esquina de casa! Estão sempre supervisionadas, acompanhadas, recomendadas e não podem se afastar dos adultos em nenhum lugar. Por essa razão, o mundo e os amigos só chegam até eles através da tela do celular ou do computador. E assim vão se tornando viciados, dependentes, incapazes de passar um só dia sem internet. E a vigilância dos adultos persiste, pois nem tudo o que aparece nas telinhas é aconselhável, ou contribui para a formação das crianças e adolescentes.

                               É triste ver crianças presas em apartamentos, cheias de brinquedos, roupas e nenhum espaço para correr e brincar. Agora, na quarentena, ficou ainda pior, uma vez que nem mesmo as praças e parques podem ser utilizados por elas, assim como os playground e piscinas dos condomínios. Tudo bloqueado. Sem escolas, sem amigos, sem liberdade e ainda portando máscaras o tempo todo. Certamente aumentam as brigas, as teimosias, as palmadas, os castigos, as tristezas.

                               Quando lembro da minha infância, de pular muros, correr de bicicleta, patins e patinetes, subir em árvores, jogar bola no meio da rua com tantos amigos, passear na calçada com os carrinhos de bonecas, ler tantos livros, escrever tantas cartas, ir à missa e ao cinema todos os domingos, comer comida de verdade em todas as refeições... tenho que afirmar:

                                - Não é saudosismo. É que era melhor!

 

 

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