As leis brasileiras,
vez por outra, esbarram em problemas etimológicos, como se os legisladores
tivessem enforcado muitas aulas de português. Confundem-se, assim, professor
(aquele que ensina) com mendigo; direito do voto com dever e cabresto; doação
com obrigatoriedade.
Há algum tempo, anularam
a nobreza e o altruísmo do gesto de "doar" com uma lei antipática de
retirada compulsória dos órgãos de qualquer pessoa que o médico achasse que
morreu. Logo no Brasil, onde não se respeitam os vivos, o quê esperar dos
mortos ou semimortos?
Que mania esses
fazedores de leis têm de governar de cima para baixo, importando conceitos
desacreditados, idealizando situações (basta ver o Novo Código de Trânsito que
nem mesmo os censores entendem!), tratando as pessoas com meras teorias
desvinculadas totalmente da prática.
Não passa pela cabeça
de tais manda-chuvas que só a Educação - para o trânsito, para a prevenção de
doenças, para a justiça, para a solidariedade - pode mudar efetivamente a
situação caótica do Brasil? Meio-ambiente, poluição, doenças sexualmente
transmissíveis, mortes no trânsito, justiça no trabalho, tudo poderia ser
melhorado com uma educação adequada de todas as crianças e jovens. Do
contrário, com medidas terapêuticas ao invés de preventivas, ficarão sempre as
perguntas desconfiadas: - Então nós, que já somos sem terra, sem teto, sem
educação, sem saúde, sem segurança, sem governo, sem economia, sem esperança,
vamos perder o direito sobre os nossos próprios corpos, dos quais cuidamos (bem
ou mal) sozinhos a vida toda?!
No meu caso, carrego
há mais de dez anos na carteira um cartão que me transformava (pelo menos aos
meus olhos) num ser humano maior, mais completo, mais próximo do Céu - um
cartão que diz "Sou Doador de Órgãos", da Fundação Pró-Rim. Minha
família sabia e meus filhos me admiravam por isso. Era um desejo meu, uma opção
minha, uma pequena grandeza diante de tantos casos realmente tristes de pessoas
nas filas dos transplantes, à espera de doadores. Mas doação compulsória não
existe e eu não aceito!
Quando todo mundo
passa automaticamente a doador, eu, doadora em potencial há dez anos, estou bem
inclinada a colocar a observação vergonhosa na Carteira de Identidade, negando
a doação.
Como confiar nas
leis, na justiça, na honestidade dos destrambelhados legisladores brasileiros?
Depois de ler os jornais? Não dá!
Assim como só as
classes média e baixa vão para a cadeia, será que também elas deverão fornecer
órgãos para os ricos, para as clínicas particulares? E os médicos
inescrupulosos e mal preparados, que são minoria, mas existem?!
Por tudo isso, eu
queria sugerir às pessoas que se interessassem mais por "doações de
almas". Por que não almejar a Bondade de Irmã Dulce, a Solidariedade de
Betinho, a Coragem de Tiradentes, o Talento de Machado de Assis e assim por
diante? Por que ninguém se preocupa em transplantar, ou simplesmente copiar um
pouco da "essência" de algumas pessoas tão significativas para a
humanidade?
Um homem não vive sem
rim, mas vive sem inteligência, sem dignidade, sem vergonha. Infelizmente.
Talvez fosse bom
pensar um pouco na parte mais importante do ser humano, naquilo que nos difere
dos outros animais, ao invés de canalizar toda a atenção para um possível
"frigorífico de órgãos", clones humanos e por aí afora.
Com uma adequada
"doação de almas" as leis seriam mais justas e melhor cumpridas. E é
bom lembrar: de que vale um corpo são numa cabeça oca e num coração de pedra?
2 comentários:
todo o post é fato e concordo,mas tem um porém antipático,o povinho que habita o país. se tiveres tempo no texto a seguir tem uma análise mt boa do comportamento do brasileiro em geral:
http://ahduvido.com.br/os-11-defeitos-insuportaveis-dos-brasileiros
bjs
Olá amiga, um texto que me emocionou. Ai, como aqui e em quase em todo o mundo existe uma imoralidade em não tratar os problemas de raiz como diz mas de cima para baixo! Estamos a atravessar uma crise de valores em que o ser humano é negligenciado no que de mais belo existe. O amor. Não há a mínima sensibilidade nos governantes que nos tratam como se fossemos apenas números tentando anular-nos completamente. Por aqui as coisas também estão bem cinzentas. Temos que continuar a lutar fazendo ouvir as nossas vozes. Tenhamos esperança. Um beijinho e obrigada pela sua visita. Ailime
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