quarta-feira, 2 de maio de 2012

A VIDA SEM FUMAÇA


Especialmente para a Gicela, do Alegrete:


Na década de setenta, final dos anos sessenta, o liberalismo feminino estava de bandeiras desfraldadas e as mulheres clamando por direitos e liberdade. É claro que essas revoluções demoravam um pouco para chegar a Alegrete (onde ainda nem tínhamos televisão) e mais ainda à casa do seu Ramos. Entretanto, aquele protesto feminista era travado em surdina, nos quartos das meninas com portas trancadas, no pátio das escolas e nos bancos das praças, em conversas intermináveis.
Queríamos o direito de usar calças compridas como os rapazes, ao invés de congelarmos as pernas com aquelas meias finas sob as saias curtas, com aquela costura que teimava em entortar.
Clamávamos pelo direito de ficar de mãos dadas no cinema e até dar uns beijinhos quando apagava a luz; queríamos dançar músicas lentas de rosto colado sem ficarmos “faladas” e também... fumar! Sim, como aquelas belas mulheres de longas unhas vermelhas, olhos semicerrados, boca carnuda pintada, sugando a comprida piteira que fazia espirais de fumaça no ar. Que coisa mais chique! Como nos sentíamos poderosas imitando aquele gesto, mesmo com os cigarros baratos, sem filtro, que furtávamos da mãe de uma amiga (a única que fumava), que nos fazia chorar, engasgadas com a fumaça e, depois, até bochechar perfume para nos livrar do cheiro. Quem não sabia tragar era “muito criança”, não podia se misturar com “as moças”. E lá íamos nós, naquele duro aprendizado, achando tudo horrível, cuspindo, mas insistindo para sermos aceitas no grupo das mais velhas, que sabiam das coisas e por quem os rapazes mais cobiçados “babavam”. Aliás, eles também queriam ser galãs de cinema, machões das terras de Malboro e Hollywood, portanto, ostentavam orgulhosos seus maços de cigarro no bolso da camisa e até nos ofertavam alguns, num ritual de iniciação onde JAMAIS se falou em doenças ou problemas advindos do tabagismo. O máximo que nós, meninas, ouvíamos era que “é feio mulher fumar”. Em tempos de feminismo, essa era uma razão a mais para insistirmos nas tragadas, até acostumarmos com o gosto, o cheiro e... Ficarmos viciadas.
Já era adulta quando parei de fumar, na gravidez e amamentação do meu primeiro filho. As colegas da faculdade encarregaram-se de me reconduzir ao Minister. Parei de novo na gravidez do segundo e a mesma turma apoiou meu reingresso. Na do terceiro voltei sozinha, porque já não conseguia me imaginar com a cuia de mate sem o cigarro entre os dedos.
E assim foi por longos trinta e oito anos, agora consciente de todos os malefícios advindos do cigarro e seus estranhíssimos componentes, capazes de matar até ratos e baratas. Essa consciência, se não me salvou de imediato, pelo menos fez com que eu educasse meus filhos para detestarem tudo que se refere ao tabagismo. Sempre querendo parar, diminuindo, trocando para marcas mais fracas, prometendo a todos e a mim mesma que pararia, marcando datas, deixando de carregar na bolsa, evitando os fumódromos, enfim, numa luta insana para me livrar de um vício que me obrigara a adquirir na adolescência.
Bem, ano passado decidi que achava horrível gente velha fumando e que ia parar. Consegui. Há trinta meses não chego perto de um cigarro. Ou serão trinta anos? Trinta séculos? Só quem já fumou sabe o que isso representa, uma vez que a nicotina é a droga mais viciante de todas as que existem, segundo os médicos. Isso porque, além da dependência física, existe uma pior, que é a psicológica, aquela que nos faz usar o cigarro como muleta, como calmante, como estimulante, como símbolo disso ou daquilo. A cuia do chimarrão fica perdida nas mãos, o cafezinho, o vinho, parece que tudo fica incompleto para quem os atrelou durante grande parte da sua vida.
Escrever então... durante os primeiros meses parecia que minha veia literária praticamente “secara”. O que sempre fora fácil para mim, que escrevia uma crônica em aproximadamente vinte minutos, tornou-se árido, insípido, muito difícil mesmo. As palavras custavam a sair e , quando saíam, não me agradavam.
Hoje, trinta meses depois da última tragada, ainda sinto falta nos momentos de ansiedade ou de euforia, mas detesto o cheiro e retomo, aos poucos, o gosto pelas outras coisas que consegui desatrelar do cigarro.
Este depoimento tem o objetivo maior de dizer a quem está começando a fumar, ou tentando parar, principalmente às mulheres, que “fiquem fora dessa! O cigarro faz um mal danado à saúde; deixa a pele envelhecida, sem brilho; faz com que estejamos sempre dependentes de lugar para comprar, lugar onde é permitido fumar, sempre se isolando dos outros, causando mal estar nas pessoas, incomodando com aquela fumaça mal cheirosa e, sobretudo, sem resolver NADA. Você fica fedendo, com os dedos e os dentes manchados, a voz rouca, com pigarro e coriza constantes, a boca amarga e os problemas continuam lá, do mesmo jeito, aguardando uma solução que independe do cigarro”.
Não é fácil, mas vale a pena! A sensação de liberdade é muito boa e combina mais com a mulher de hoje! Coragem!

Um comentário:

Maria Luiza Vargas Ramos disse...

Pra reforçar, adianto que este texto está republicado para dar força a uma amiga e que já faz quase seis anos que larguei definitivamente o cigarro.