Especialmente para a Gicela, do Alegrete:
Na década de setenta, final dos anos
sessenta, o liberalismo feminino estava de bandeiras desfraldadas e as mulheres
clamando por direitos e liberdade. É claro que essas revoluções demoravam um
pouco para chegar a Alegrete (onde ainda nem tínhamos televisão) e mais ainda à
casa do seu Ramos. Entretanto, aquele protesto feminista era travado em surdina,
nos quartos das meninas com portas trancadas, no pátio das escolas e nos bancos
das praças, em conversas intermináveis.
Queríamos o direito de usar calças
compridas como os rapazes, ao invés de congelarmos as pernas com aquelas meias
finas sob as saias curtas, com aquela costura que teimava em entortar.
Clamávamos pelo direito de ficar de
mãos dadas no cinema e até dar uns beijinhos quando apagava a luz; queríamos
dançar músicas lentas de rosto colado sem ficarmos “faladas” e também... fumar!
Sim, como aquelas belas mulheres de longas unhas vermelhas, olhos semicerrados,
boca carnuda pintada, sugando a comprida piteira que fazia espirais de fumaça
no ar. Que coisa mais chique! Como nos sentíamos poderosas imitando aquele
gesto, mesmo com os cigarros baratos, sem filtro, que furtávamos da mãe de uma
amiga (a única que fumava), que nos fazia chorar, engasgadas com a fumaça e,
depois, até bochechar perfume para nos livrar do cheiro. Quem não sabia tragar
era “muito criança”, não podia se misturar com “as moças”. E lá íamos nós,
naquele duro aprendizado, achando tudo horrível, cuspindo, mas insistindo para
sermos aceitas no grupo das mais velhas, que sabiam das coisas e por quem os rapazes mais cobiçados “babavam”.
Aliás, eles também queriam ser galãs de cinema, machões das terras de Malboro e
Hollywood, portanto, ostentavam orgulhosos seus maços de cigarro no bolso da
camisa e até nos ofertavam alguns, num ritual de iniciação onde JAMAIS se falou
em doenças ou problemas advindos do tabagismo. O máximo que nós, meninas,
ouvíamos era que “é feio mulher fumar”. Em tempos de feminismo, essa era uma
razão a mais para insistirmos nas tragadas, até acostumarmos com o gosto, o
cheiro e... Ficarmos viciadas.
Já era adulta quando parei de fumar,
na gravidez e amamentação do meu primeiro filho. As colegas da faculdade
encarregaram-se de me reconduzir ao Minister.
Parei de novo na gravidez do segundo e a mesma turma apoiou meu reingresso. Na
do terceiro voltei sozinha, porque já não conseguia me imaginar com a cuia de
mate sem o cigarro entre os dedos.
E assim foi por longos trinta e oito
anos, agora consciente de todos os malefícios advindos do cigarro e seus
estranhíssimos componentes, capazes de matar até ratos e baratas. Essa
consciência, se não me salvou de imediato, pelo menos fez com que eu educasse
meus filhos para detestarem tudo que se refere ao tabagismo. Sempre querendo
parar, diminuindo, trocando para marcas mais fracas, prometendo a todos e a mim
mesma que pararia, marcando datas, deixando de carregar na bolsa, evitando os fumódromos, enfim, numa luta insana para
me livrar de um vício que me obrigara a adquirir na adolescência.
Bem, ano passado decidi que achava
horrível gente velha fumando e que ia parar. Consegui. Há trinta meses não
chego perto de um cigarro. Ou serão trinta anos? Trinta séculos? Só quem já
fumou sabe o que isso representa, uma vez que a nicotina é a droga mais viciante
de todas as que existem, segundo os médicos. Isso porque, além da dependência
física, existe uma pior, que é a psicológica, aquela que nos faz usar o cigarro
como muleta, como calmante, como estimulante, como símbolo disso ou daquilo. A
cuia do chimarrão fica perdida nas mãos, o cafezinho, o vinho, parece que tudo
fica incompleto para quem os atrelou durante grande parte da sua vida.
Escrever então... durante os primeiros
meses parecia que minha veia literária praticamente “secara”. O que sempre fora
fácil para mim, que escrevia uma crônica em aproximadamente vinte minutos,
tornou-se árido, insípido, muito difícil mesmo. As palavras custavam a sair e ,
quando saíam, não me agradavam.
Hoje, trinta meses depois da última
tragada, ainda sinto falta nos momentos de ansiedade ou de euforia, mas detesto
o cheiro e retomo, aos poucos, o gosto pelas outras coisas que consegui
desatrelar do cigarro.
Este depoimento tem o objetivo maior
de dizer a quem está começando a fumar, ou tentando parar, principalmente às
mulheres, que “fiquem fora dessa! O
cigarro faz um mal danado à saúde; deixa a pele envelhecida, sem brilho; faz
com que estejamos sempre dependentes de lugar para comprar, lugar onde é
permitido fumar, sempre se isolando dos outros, causando mal estar nas pessoas,
incomodando com aquela fumaça mal cheirosa e, sobretudo, sem resolver NADA. Você
fica fedendo, com os dedos e os dentes manchados, a voz rouca, com pigarro e
coriza constantes, a boca amarga e os problemas continuam lá, do mesmo jeito,
aguardando uma solução que independe do cigarro”.
Não é fácil, mas vale a pena! A
sensação de liberdade é muito boa e combina mais com a mulher de hoje! Coragem!
Um comentário:
Pra reforçar, adianto que este texto está republicado para dar força a uma amiga e que já faz quase seis anos que larguei definitivamente o cigarro.
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