quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

PAI



Não sei por que, assim sem mais nem menos, a saudade que sinto de ti resolveu machucar. As lembranças – tantas! – afloraram com força e eu desejei, como nunca, poder te ter por perto mais uma vez.
Sempre que a vida me atropela, que os problemas parecem se agigantar, ameaçando me engolir, procuro a tua mão, teus conselhos e todo o amparo que sempre tive ao teu lado. Tu me ensinaste a ser forte, a não desistir, a resolver, no entanto, em certos momentos parece até covardia a enxurrada de coisas que preciso administrar. Então, sinto vontade de correr em busca da tua proteção outra vez.
Queria conversar contigo mais uma vez, te vendo com as pernas cruzadas, com o peito cheio de talco após o banho, a seriedade nos assuntos sérios e aquela risada gostosa, de olhos marejados, nas poucas piadas que ousavas contar. Nunca ouvi um palavrão da tua boca e os poucos xingamentos, no auge da indignação, eram sempre em castelhano.
Queria sentir teu cheiro de gasolina de avião no macacão quando chegavas do Aeroclube, sempre modesto, simples, levando uma bolacha enrolada em papel de pão para comer durante a tarde e chegando para tomar mate em casa porque não gostavas de mates compartilhados, rodas grandes, cuia que demorava nas mãos.
Daria tudo para me fazeres sestear à força no chão ao teu lado nas férias quentes, para não fazer barulho lá fora. Ou para abotoar aquela fileira de botões das tuas polainas, ajudar a tirar tuas botas, lustrar teus sapatos. Não gostava muito de costurar tuas camisetas, porque a agulha teimava em furar meus dedos e porque eu sabia que nem usavas mais aquela roupa, era apenas para me fazer sossegar numa cadeira.
Queria ver de novo teu semblante orgulhoso nas minhas apresentações, quando declamava, fazia discursos ou tocava piano. Tua aprovação para as minhas crônicas do jornal era importantíssima e, quando alguma parte te desagradava, me escrevias longas cartas explicando o que achavas que eu não estava entendendo da forma certa, com os arroubos universitários e a tendência esquerdista da doutrinação dos professores e colegas. Tu estavas tão certo! Era tudo um engodo mesmo!
Que vontade de ouvir tua voz bonita cantando tangos e boleros, ou apenas chamando meu nome: - Baísa! Foi o apelido que o Dadinho me deu e o mantiveste, assim como jamais te libertaste da dor de perder o filho caçula.
Pai, tenho cuidado dia e noite da tua amada e fico cada dia mais triste por vê-la tão velhinha, tão frágil, tão centenária. Ela continua lúcida e, por isso mesmo, sofre mais com as limitações e o desgaste do corpo. Não é fácil tentar conformá-la com a pouca visão, a pouca audição e a imobilidade das pernas. Ela está sempre se lembrando de ti, do quanto foste um marido maravilhoso e da saudade que sente todos os dias.
Queria tanto que conhecesses meus netos! Bruna fala em ti como se tivesse te conhecido. E ias adorar ver a Mariana tomando mate! Alice e Lívia parecem duas bonequinhas de olhos azuis. Lucas poderia ouvir de ti os conselhos que meus filhos ouviram e até hoje norteiam a vida deles. Kadu está no Japão e sempre trabalhando em fábricas de aviões! Desde pequeno só queria ganhar aviões de presente, imagino o teu orgulho ao saber disso!
Pai, paizinho, se a gente pudesse voltar no tempo e conversar lá na Mariz e Barros, tu sentado na espreguiçadeira ensinando o nome das constelações, ou com a máquina de Flit afastando os mosquitos.
Hoje a saudade me apunhalou mais forte. Sempre fui tua amiga, tua fã, tua seguidora incondicional. Queria ser parecida contigo em tudo, porque te admirava muito! Espero não te decepcionar, só que hoje parece que amanheci mais frágil...
Tomara que tenhas encontrado o Dadinho e que estejas em Paz, num lugar bem menos atribulado. Se puderes, protege essa tua filha, bem como toda a nossa família e me orienta nos momentos em que fico indecisa, ou sufocada pelas intempéries.
Pai, seu Ramos, como sinto tua falta! Como faz falta no mundo e nas famílias homens como tu!


3 comentários:

Unknown disse...

Que lindo texto amiga. E também lembrei do meu pai!

derli baltasar castagna paim disse...

Faço dás suas as minhas palavras. Meu pai Euclides Pereira Paim, se vivo fosse, estaria completando 105 anos, no dia 2 de janeiro de 2020. Saudades. Muita saudade.

PAULO SERGIO COIMBRA disse...


Bela declaração de amor. Seu pai com certeza está orgulhoso de você,
Tenhas a certeza que ele está sempre contigo e com dona Conceição.
Abraço. Que deus acalme teu coração.