sábado, 24 de setembro de 2016

SEM DOURAR A PÍLULA



                       As redes sociais são só para tratar de política, de flores, de animais, de crianças e de sucessos. Não por acaso, muitas pessoas invejam nossa perene felicidade ali. Porque ali só cabem os momentos bons e felizes.
                       E onde devemos colocar os menos felizes, os difíceis, os tristes, os frustrantes, os trágicos? Apenas no travesseiro, nas noites insones?
                       Quando nossos amigos estão todos do outro lado do monitor, distantes fisicamente, mas bem pertinho do coração, com quem desabafar?
                       Dos mais de quinhentos amigos no Facebook, por exemplo, menos de um décimo sabe como vivo realmente. Como sou reclusa, como não posso me afastar por mais de dois dias da minha mãe, como ajudo a cuidar dos netos, como aparto brigas diárias da minha mãe com sua empregada nordestina, boa para o serviço, mas de difícil trato, rude como um porco espinho.
                      Sempre fui professora, desde criança. Vivo ensinando e tentando alertar as pessoas para os perigos  que percebo antes delas. Nunca me filiei a nenhum partido político, acreditei no PT e em seu discurso pseudo-socialista e tive uma retumbante decepção com seus líderes, tão ladrões e corruptos quanto os demais. Por tentar mostrar isso, alguns amigos se afastaram, certamente porque nem eram amigos de verdade e não me fizeram a menor falta.
                        Por que não mando a tal empregada embora? Porque não é nada fácil achar outra que se comprometa, não roube e não falte.
                        Por que não trato dessas questões políticas só com os amigos pessoais? Porque não os tenho, porque, desde que me aposentei, não tenho mais amigos, já que nunca posso comparecer aos encontros, nem tenho liberdade de horário para sair e voltar.
                      Meu aniversário, por exemplo, desde que saí da minha cidade e me afastei dos amigos, tornou-se uma data triste, sem comemoração alguma, no máximo uma saída para comer num restaurante com os mais chegados. As melhores comemorações neste meu desterro foram feitas por alunos queridos, de surpresa e inesquecíveis.
                      Por isso, mesmo contrariando alguma mãe, gosto de mostrar fotos dos meus netos, crianças lindas que encantam meus dias. Porque só assim meus amigos de verdade, que vivem longe, podem saber de mim e da família que formei.
                       Só conto sucessos e não encontro palavras que consigam quantificar a saudade que sinto do meu filho mais novo, que vive longe e vai cada vez mais para longe, mesmo sendo tão chegado, tão amoroso, tão meu.
                       Como podem ler os que vieram aqui sem link nas redes sociais, os que realmente gostam de ler o que eu escrevo e procuram meu blog para conhecer meus textos, sou uma pessoa de normal para triste, uma pessoa que vive de ler e escrever e morre de medo de perder a visão como seu pai e quase totalmente sua mãe. Uma pessoa que conseguiu abandonar o cigarro sem nenhum paliativo e que pagou o ônus com trinta quilos a mais.
                        As coisas boas, os filhos, os netos, os livros, estão todas lá, estampadas na linha do tempo, causando admiração e inveja de muitos que se consideram menos felizes. São coisas reais, pelas quais agradeço a Deus todos os dias, mas não são tudo. A vida é muito mais complexa do que nos permitimos mostrar.
                       Só que às vezes se torna falsa, vazia, como aqueles comerciais de margarina.
                       Eu poderia ter feito muitas coisas diferente, de outra maneira, com outras inclinações, para outro lado. Mas não fiz. E a vida é resultado das nossas escolhas.
                       Sinto que estou há quarenta anos vivendo em trânsito, como se o melhor de mim tivesse permanecido na minha terra natal, na roda de chimarrão das amigas, nos muros altos da minha casa, sob o céu lindo do meu Alegrete. Sair de lá foi a primeira e mais crucial escolha, que nem foi minha, mas imposta a mim. Só quem me conheceu lá sabe o quanto eu já fui realmente alegre, realizada e feliz.
                       Aqui é o lugar dos meus filhos, aqui nasceram meus netos, aqui eu devo ficar.
                       Paulo veio também para cá e tentaremos aprofundar nossas raízes nas coisas que conquistamos aqui mesmo.
                       Mas sempre hei de virar minha cabeça para os pagos... olhar lá longe, de olhos abertos ou fechados e me sentir em casa de verdade... quem sabe ouço até meu piano tocando lá na sala, ou o cheiro bom dos doces da minha avó!




Nenhum comentário: