Gaúcho
é gaúcho, onde quer que esteja. Não disfarça o sotaque, não esconde a cuia, não
cochicha, expressando com clareza e em bom som suas opiniões e farejando à
distância outro gaúcho, até pelo tamanho do sorriso ou a firmeza do olhar. Nossa história e a localização geográfica do
nosso Estado explicam muito da nossa maneira de ser.
Dia
desses, assumiu um estacionamento pertinho da minha casa um casal de “gringos”
da serra gaúcha. Nas duas pecinhas minguadas que o antigo dono usava para
escritório eles se acomodaram. A casinha brilha, limpíssima, com uma foto em
preto e branco de uma linda moça na parede, fotinho pequena, moldura tosca. Não
sei se a moça é filha, não quis perguntar, mas só sei que é bonita e importante
para eles, pois foi o primeiro e até agora único enfeite na parede estreita.
À
tardinha, nesse calor infernal de verão, muitas pessoas voltam apressadas e
suarentas para suas casas; outras, amantes da boa-vida, se refrescam em
divertidos happy-hours; há ainda as consumistas que se esbaldam no frescor dos
shoppings - centers, empanturrando-se de hambúrgueres e pizzas. Madames
passeiam com seus cãezinhos, inclusive eu, que nem sou madame. Vejo o gauchinho
estendendo a toalha com esmero, cabelos molhados e penteados, sentando-se na
corrente de ar, com uma espumante cuia de chimarrão. Do jeitinho que fazem os
gaúchos de todas as partes do Brasil, inclusive do meu Alegrete.
Não
bebem, não fumam, nem tomam vinho, mesmo sendo de Farroupilha. Trabalham – e
muito! – lavam carros, limpam imaculadamente a casinha minúscula e são um
CASAL. Dessas pessoas, e só dessas, sinto inveja. Uma inveja boa, daquela que
não quer prejudicar ninguém.
Em
certos apartamentos, a música é tão alta que inviabiliza qualquer tipo de
conversa. Noutros, o computador isola um ou outro membro da família. Gritos,
xingamentos, bater de portas lá em cima. Silêncio nas casas de onde os filhos já
partiram. Novelas. Futebol. Um ou outro cheiro de comida. Nada tão aprazível
quanto aquela conversa comprida do meu casalzinho de meia-idade, cabelos
molhados, toalhas branquinhas estendidas num varal improvisado, cuia dividida,
lembranças compartilhadas.
A
essa hora, devem ter rezado juntos e estar dormindo abraçadinhos em 30m2, pois
amanhã, com o sol, começa tudo de novo. Que Deus os abençoe!
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