Não se passa pela vida impunemente, a menos que
optemos por uma atitude meramente contemplativa, como se estivéssemos por aqui
apenas a passeio. Perdemos muitas coisas e pessoas pelo caminho, sufocamos
ideais, desistimos de sonhos, mas não podemos perder a capacidade de indignação
frente aos desmandos de certos segmentos da dita “sociedade brasileira”, pois
este é o primeiro passo na busca das transformações.
As cidades voltam a ficar inundadas de
discursos demagógicos, promessas, cartazes sorridentes alimentando a fogueira
das vaidades e a busca pelo poder. Poder de quê? De manter o estado de coisas,
as disparidades sociais, a política desumana de segregação, beneficiando sempre
a mesma minoria privilegiada em
detrimento da verdadeira massa popular, cada vez mais oprimida?
Crescem as queixas pelo aumento da
violência e o povo morre de medo ao andar nas ruas, sem perceber que está sendo
roubado desenfreadamente pelos colarinhos engomados que desfilam nos palácios e
ministérios impunemente.
Difícil é convencer as crianças e os
jovens de que alguns nasceram apenas para aplaudir o que outros vestem e comem,
sem direito algum a experimentar tais prazeres. Olhar nos olhos de alunos de
escolas públicas e lhes garantir que o vestibular foi criado apenas para os
ricos, aqueles que podem pagar cursinhos caros, enquanto para eles restará
apenas o subemprego.
A revista Isto É , num único
número, trouxe duas reportagens bem elucidativas sobre este problema. Uma trata
de escolas e outra de hospitais – sem dúvida instituições da maior importância
para qualquer sociedade.
Em São Paulo, estudantes privilegiados
vivenciam “a aula do futuro”, com salas de aula onde o computador substitui o
caderno e quadros-negros mostram imagens saltando da tela em terceira dimensão.
Os deveres são preparados em disquetes, as lições aprendidas em CDs Room,
familiarizando os alunos com as tecnologias com as quais vão se deparar no
mercado de trabalho. Tudo pela bagatela de R$ 700,00 mensais. Ah, se em todo o
Brasil fosse assim...
Na maioria das escolas de rede pública
faltam professores, material didático básico, quando não água, merenda e até
espaço físico para acomodar tantos alunos carentes.
No Rio de Janeiro a grande melhoria
está nos hospitais. Hospitais cinco estrelas, com suítes de 50 metros quadrados,
dois banheiros, saleta com TV de 29 polegadas, concertos ao vivo, pratos finos
acompanhados de champanhe francês, serviço de cabeleireiro, heliporto, ambiente
climatizado . Segundo os idealizadores, tudo isso para garantir um atendimento
mais humanizado, tornando os hospitais mais aprazíveis e estimulantes para a
recuperação dos doentes. O preço só assusta pobres – R$ 1.300,00 a diária.
Não é preciso descrever a situação da
maioria dos hospitais brasileiros, com suas enfermarias e corredores
superlotados, numa promiscuidade desumana, tornando quase impossível a
recuperação de quem quer que seja.
Daí a pergunta: o que o Brasil está
querendo mostrar ao mundo nesta época de globalização? Para se livrar da pecha
de carnavalesco e futebolístico apenas, entra para o livro dos recordes como o
país de maior disparidade social que se tem notícia. Grande conquista!
E olha que aqui foi mostrada apenas uma
pequenina ponta deste vergonhoso iceberg . A sujeira é tanta que nem
gigantescos tapetes persas conseguiriam encobri-la.
Mais uma vez é hora de se indignar, de
tentar mudar, de gritar mais alto que as mentiras disfarçadas em belos
discursos. Candidato bom é aquele que sabe o quanto terá de lutar, de se
esforçar, se sacrificar pelo povo e mesmo assim sente esta vocação, possui este
desprendimento de deixar de pensar em si para assumir os problemas
comunitários. Poucos têm este objetivo, menos ainda pensam em levar a sério o
que prometeram com tanta facilidade e a nós, eleitores, cabe examiná-los com
potente lupa para deixarmos de ser ludibriados e precisarmos conviver com este
estado de coisas que, sem dúvida alguma, um conhecido apresentador de TV
classificaria como:
“-
UMA VERGONHA!”
agosto
de 2000.
Crônica publicada no livro GAZETEANDO (2007)
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