Ah os porões! Sempre foram a parte escondida das casas, onde
se guardavam os tesouros ou os detritos, aquilo que não deveria ser mostrado e
pertencia apenas ao dono da chave.
Ao contrário das vitrines, das estantes onde o melhor e mais
bonito era exposto, das cristaleiras que deixavam à mostra a mais bela louça e
os melhores cristais, nos porões havia ferro, couro, livros velhos, caixas de
segredos. Tudo empoeirado, quase esquecido, como se o fato de esconder pudesse
apagar tudo aquilo que representaram um dia e ainda desestabilizam os
detentores de seus segredos.
Nem todas as casas têm porões. Nem todas as pessoas têm
significado suficiente em suas vidas para manter porões guardados a sete
chaves, que causam dor, desconforto ou saudade.
Muitos ostentam só a parte brilhante do iceberg, porque o
que está submerso não diz respeito a ninguém, a não ser a eles mesmos. E são
tachados de ultra felizes, vitoriosos, despertando inveja nos menos realizados
e mais ingênuos.
Feliz mesmo é quem tem com quem desabafar, abrir seus porões,
saber que terá receptividade, consolo, conselhos, sintonia. Mas esses são
raros, pérola dentro da concha, trevo de quatro folhas. Os mais de perto envolvidos
não querem se incomodar, os mais distantes não conseguem atingir o cerne das
questões e assim os porões vão ficando cheios.
Pessoas fragilizadas precisam de ajuda profissional e até de
medicamentos. Pessoas envolvidas devem ter sabedoria, serenidade e otimismo suficientes
para sustentar nos ombros todas as queixas, todos os sofrimentos, todos os
desabafos... sem esmorecer.
Se a comida ficou salgada, se o doce passou do ponto, a gente
mostra a azeitona e a cereja, ainda intactas e brilhantes. E muitos elogiarão.
Para quem só se interessa pela casca, lustramos bem o couro
e fazemos a peça girar, expandindo reflexos e encantando os incautos.
Para quem só curte sofrimentos e lamentações, sintonizando
apenas com as dores alheias, a gente fecha bem o porão e mantém a chave bem
segura.
Até que surja a alma gêmea, a mão forte, o ombro amigo e nos
sintamos compelidos a desabafar, abrir os porões, pedir ajuda.
Não por acaso a Fé é tão necessária! Porque as imagens dos
santos aceitam nossas queixas em silêncio e ainda nos fortalecem para enfrentá-las.
Se puxássemos o pano colorido sobre todos os sorrisos e
enfeites, uma imagem bem menos auspiciosa apareceria.
E surgiriam solidariedades, a maior parte delas superficial,
do tipo que só consegue se solidarizar com as dores alheias e foge das vitórias,
das conquistas, do sucesso dos outros.
Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que parece é.
Ninguém é constantemente vitorioso e feliz.
Ninguém só recebe boas notícias.
Ninguém é perfeito e lindo todos os dias.
A diferença está em saber lidar com as imperfeições e
tristezas e, principalmente, encontrar na vida alguém com quem possa realmente
compartilhá-las.
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