sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

CHUTANDO O BALDE





Até aquele momento da vida tivera uma vaidade mediana, dessas que não chegam a escravizar, mas que não dispensam um ok do espelho.

Em parte porque sempre obtivera boas respostas do corpo, da pele e dos cabelos aos tratamentos e cuidados triviais dispensados por uma mulher ocupada e produtiva.

Se a genética não ajudava, sua determinação e a agitação da vida profissional e familiar auxiliavam qualquer regime de emagrecimento a dar resultados imediatos e satisfatórios. Bem, o cigarrinho contribuía bastante, verdade seja dita.

Nem contos de fadas são legais até o fim e, nesse caso, não foi diferente. Com a chegada da “pior idade” sua autoestima iniciou a desandar, em virtude dos inúmeros problemas surgidos. Por um calendário maquiavélico, sua determinação em parar de fumar coincidiu com a aposentadoria e a chegada da menopausa. O resultado foi presumivelmente desastroso – vinte quilos de algo que não lhe pertencia aderiram ao seu corpo, outrora curvilíneo e elogiado.

No início, portanto, da tal decantada idade de descansar, celebrar a vida e outras balelas do gênero, o que sobrou foram dores musculares, problemas de visão, obesidade, queda de cabelo, taxas alteradas nos exames de rotina, além das marcas do tempo desenhando o rosto.

Ela tentou.

Espartanamente, seguiu à risca as orientações médicas e profissionais, entupiu-se de vitaminas e remédios, no entanto, parecia que era a única entre suas contemporâneas a passar por aquilo e a desandar diante dos espelhos cruéis espalhados sadicamente pela casa.

Ao invés dos admiradores e das invejosas de outrora, hoje percebia olhares piedosos, disfarçados, surpresos. Não suportando mais a situação limite em que vivia, começou a se fechar dentro de casa e dentro dela mesma, evitando os comentários, a maledicência, a piedade mal disfarçada no semblante dos mais próximos e também dos desconhecidos.

Fugia do sol, do mar que tanto amava, das festas, dos encontros e entristecia na mesma proporção em que seu corpo se deteriorava.

A frustração chegou ao limite num encontro de ex-colegas do curso Ginasial. Todos mais jovens, mais elegantes, mais cabeludos, mais conservados. A não ser os que já tinham morrido.

Nesse dia, no auge do desgosto, ela chegou em casa, cortou os cabelos rentes à cabeça, uma vez que tinham sido volumosos, bonitos, indomáveis e agora não paravam de cair, vendeu o carro, colocou algumas roupas numa mala, juntou as economias e comprou uma passagem – só de ida! – para um país distante e tropical. E foi embora, assim, como quem sai de cena.

No destino escolhido bronzeou o corpo avantajado em biquínis minúsculos, escolhidos apenas pela cor e o modelo como antes, manteve o cabelo curtinho sempre ao natural, meio branco, meio falhado, mas livre e macio, abandonou os remédios e vitaminas inundando-se de sol e água salgada, namorou um morenão que a achava linda e colocou sua vida sexual em dia.

Finalmente voltou a sorrir e a ser feliz!








2 comentários:

Paulo disse...

Que história maravilhosa! Um conto de fadas real. E eu que pensava que suas histórias não tinham finais felizes. E o mais interessante é que fiquei até o último instante esperando por uma tragédia! Preciso me redimir.
Estou louco para ler mais histórias como esta; afinal, para a crueza da vida, à ilusão.
Abraço!

Maria Luiza Vargas Ramos disse...

hahaha... nem todas as histórias têm finais trágicos, ou infelizes, só a maioria... como na vida real. Bom carnaval amigo!