As pessoas têm tendência a entender e desculpar os
adolescentes, atribuindo à explosão hormonal e às espinhas na cara todos os
desmandos que eles costumam protagonizar.
Deveriam ter a mesma compreensão com os envelhescentes e
justificar suas depressões pela ausência dos hormônios e das sensações mágicas
que eles provocam.
Que nada! Parece que nascemos velhos, com a pele flácida, a
vista curta e a coluna rígida. Só na memória dos nossos pais e na nossa é que
existimos antes da decrepitude física. Para os demais, nascemos assim e já
próximos da data de morrer. E o que será morrer? Ser deletado da vida, apagado
como um rascunho mal feito, retirado de cena? A quem faremos falta? E por
quanto tempo? Se nossos ídolos morreram, se nenhum deles conseguiu se
perenizar, o que será, então, desse ser insignificante que somos?
“- Vó, tu devias ter
ido conosco no passeio! Lá na piscina tinha umas pessoas assim, meio gordinhas
e meio velhinhas como tu!”, diz a netinha mimosa.
“- Dá licença senhora,
essa fila é dos idosos e eu sou mais velha que a senhora!” E dê-lhe
cutucões, inclusive com bengalas.
Afinal, qual é o meu lugar no mundo? Em que fila devo me
incluir? Quem sou eu, afinal? Ou melhor, em que ser me transformei nos últimos
anos?
Não dá mais para mudar o rumo da história, nem seguir o
conselho pessoano: “Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino,
mudar de vida como mudamos de roupa - não para salvar a vida, como comemos e
dormimos, mas por aquele respeito alheio por nós mesmos, a que propriamente
chamamos asseio.”
Paulo Coelho, mais otimista, enfatiza: “Imagine uma nova
história para sua vida e acredite nela.” Tampouco ousamos crer nesta citação,
conscientes da passagem do tempo e dos caminhos sem volta.
A imobilidade parece ser a marca registrada dessa etapa da
vida, onde não conseguimos mudar o passado, tampouco o presente e menos ainda o
futuro. Tudo está posto como deve ser e, mesmo que não nos agrade, continuará
assim. Não se pode plantar na hora de colher, a terra já não será fértil, as
chuvas inadequadas e os frutos, se vingarem, não serão apetitosos.
De tanto ler, parece que tudo já foi dito. As pessoas só
casca passam uma imagem, quiçá falsa, de acomodação e felicidade. Sem tentar
entender nada, vivendo como os insetos, dia a dia, hora a hora, prazer a
prazer, a humanidade se conforma e se consola, como se fosse oca, sem lado de
dentro.
Todos passarão. Nesta sentença reside a única semelhança que
temos uns com os outros. Provavelmente, foi uma vingança do Criador para com
suas criaturas: vocês irão se estranhar, se odiar, se menosprezar, se julgar
mais isso mais aquilo que os demais, mas NINGUÉM terá fim diverso. Na morte
serão, finalmente, todos iguais!
Há quem pense sobre tudo, quem aprofunde todas as coisas e
há quem viva na superfície delas. Um beijo é um beijo, mas pode ser um bálsamo
de vida. Um tapa é um tapa, no entanto, pode ser também a antessala do beijo.
Só o amor constrói. Será mesmo? E quantos tipos de amor
existem no mundo?
Nem todas as noivas são lindas, nem todas as crianças são
doces, nem todas as mães são dedicadas, nem todos os pais são responsáveis.
Há os que mergulham no trabalho até o último suspiro, muitas
vezes para se iludirem, achando que são realmente necessários e que nada seria
a mesma coisa sem a presença deles, mesmo que os jovens já os tenham suplantado
em quase todos os quesitos.
Muitos se enlevam em romances pela vida afora, valendo-se da
pior visão para não se enxergarem com todas as imperfeições nos espelhos da
vida, iludindo-se com vestimentas e enfeites que não são suficientes para lhes
devolver o viço e a capacidade genuína de se apaixonar.
Outros sufocam a descendência, cobrando mais amor e
reconhecimento do que eles são capazes de sentir e do tempo que dispõem para ofertar.
O lema do envelhescente é “ajudar”. Todo mundo e a toda
hora, sendo solícito, disponível, paciente, amoroso, porém executando uma
ginástica mais do que olímpica para não invadir, não cruzar a linha imaginária
da privacidade dos ajudados e, sobretudo, não disputar o amor dos pequeninos.
Assim como as crianças, colocadas em mil oficinas de
aprendizado, querem que os velhos aprendam mil coisas, que nunca tiveram
habilidade ou disposição de fazer na vida. Artesanato para quem tem mãos
crispadas, literatura para quem enxerga pouco, dança de salão para quem nunca
teve ritmo, hidroginástica para quem tem medo e ojeriza de água e por aí afora.
Os bem mais velhos são, na melhor das hipóteses, protegidos
e paparicados. Os menos velhos são cobrados, requisitados, empurrados,
aconselhados, como se deles dependesse a cura da velhice, ou se, fingindo serem
jovens, conseguissem adiar a morte.
Não sei em que grupo me enquadro. Acho lindos e ternos os
netos dos meus amigos e os meus então! Mas bem que eu gostaria de rever minha
turma naquelas tardes fagueiras do nosso Alegrete, mascando chicletes,
rebolando as minissaias, experimentando os beijos, enchendo cadernos de poemas
e o coração de amores. Ah, quem me dera!
Meu lugar no mundo não é esse. Não é aqui. Não é agora. Não
é desse jeito. Onde será?!
Desassossegada como Fernando Pessoa em suas reminiscências,
encerro com ele este texto:
“Releio, sim, estas
páginas que representam horas pobres, pequenos sossegos ou ilusões. A minha
vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...
Releio? Menti! Não
ouso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro. Já não compreendo
nada...”
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