“Todas as reflexões de Maria Luiza, corporificadas em
crônicas, sofrem a influência das sombras e luzes de um velho casarão da Mariz
e Barros, em Alegrete – RS, comprado pelo nosso avô num gesto de benevolência.
(...) Nas crônicas de Maria Luiza há sempre o sopro desta casa.”
Tibério Vargas Ramos, no Prefácio de
“Gazeteando”.
Minha casa são todas as casas onde vivo e vivi, é meu canto
de leitura, meu lado na cama, minha mesa de escrever, meu computador, meu
piano, meu carro com meus CDs favoritos. No entanto, sempre existe uma que
marca mais, mesmo para quem já morou em tantas!
A casa a que me refiro e que pode representar todas as
outras é a casa onde nasci, aonde cheguei ao mundo e onde aprendi a me virar
como ser humano, caminhando, comendo, me vestindo, estudando por mim mesma. Não
é uma casa comum, é uma casa com história, uma vez que nela minha mãe morou
desde a meninice e onde vivi até o dia em que me casei. Nela festejei todos os
meus aniversários, inclusive o de 15 anos, o noivado e até a festa de casamento
se espalhou por seus jardins perfumados de rosas, lírios e jasmins. Nela,
inclusive, festejei os primeiros aniversários do meu filho mais velho, enquanto
não principiaram as transferências do marido marinheiro. E para ela voltei, já
com três crianças, em todas as férias escolares, de inverno e de verão, durante
todos os anos em que lá meus pais viveram.
Esta casa ainda está lá, ainda nos pertence e continua a nos
receber e a receber nossos amigos quando lá estamos. Já não possui moradores,
apenas hóspedes, no entanto, seus hóspedes são parte da sua trajetória e
descendentes daqueles que a ergueram e ali escreveram toda a sua história.
Seu traçado interno, semelhante a um mitológico labirinto,
fazia com que nossos amigos demorassem a nos encontrar. A garagem imensa, num
tempo em que o pai não tinha carro, apenas avião, servia de área de lazer, sala
de jogos, palco de teatro e até de ancoradouro para um grande navio que
construímos com a turma da rua.
Três pátios faziam a
alegria da gurizada. O primeiro calçado, com jardim, parreira e mesa de pedra
para preparar as galinhas do almoço, além de uma torneirinha baixa para
refrescar nosso suor e matar nossa sede. O segundo tinha um quartinho de
ferramentas, um galinheiro enorme e um galpão com sombra para comer os
churrascos feitos em fogo de chão. Patos, perus, galos, galinhas e muitos pintinhos
ciscavam por ali e bebiam num grande cocho de cimento. Ao redor, árvores com
todas as frutas da região: laranjas de quatro tipos, pêssegos, figos, ameixas,
limões, uvas, peras, caquis, bergamotas, goiabas. E no último pátio havia uma
horta viçosa e um campo de futebol para os meninos se divertirem. Cinamomos
majestosos enfeitavam o cenário e possibilitavam muitas encenações dos filmes
do Tarzan. Num deles, atingida por uma bolinha de cinamomo disparada numa funda
do meu irmão mais velho, despenquei lá do alto e quebrei o pé – no primeiro dia
de férias!
Era tudo tão espaçoso que andávamos de bicicleta nos pátios!
Daquelas grandes, de duas rodas. E brincávamos de esconder em toda quadra,
pulando muros com a destreza de quem pula uma poça d’água.
Quando eu tinha nove anos de idade, a casa recebeu uma peça
importante na decoração, que a acompanhou e fez sua trilha sonora por muito tempo
– meu piano! Bem antes da TV e muito mais importante que ela para nós, o piano
na sala era o lugar preferido da família nas minhas horas de estudo.
O fogão da cozinha era enorme e esquentava a água na
caldeira para os banhos. O banheiro imenso tinha uma banheira funda onde a
gente, quando criança, podia até brincar de nadar.
Na frente tinha sido o Cartório do meu avô. Depois virou a
suíte da minha avó até o fim da sua vida. Meus avós, donos primeiros da casa,
viveram ali seus melhores anos, formaram sua descendência e também ali se
despediram dos amigos e da vida.
Este é o sentido maior de uma casa. As risadas escorrendo
das paredes, as vozes sussurrando no telhado, os passos estalando nos
corredores e as lembranças dançando na memória, umedecendo os olhos, aquecendo
o coração. Basta sentar diante da grande lareira, ouvindo o crepitar do fogo
para o passado se tornar presente e tudo ficar bom e lindo de novo.
Nossa maior casa anda sempre conosco e não é feita de
madeira, tijolo ou cimento, é feita de emoção, lembranças e saudade!
2 comentários:
Olá, amiga! Há tempos não lhes visitava aqui. Sequer visitava meu próprio Blog, de tanto que me dediquei a outros afazeres profissionais e pessoais. Mas, deliciei-me em minha volta, com este texto. Tão cheio de sensibilidade e verdades melancólicamente postas. Abraços, querida.
Bem vinda Ivana! É sempre um prazer te receber por aqui! bjo.
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