quarta-feira, 18 de março de 2015

NÃO SOU NADA...





FERNANDO PESSOA

                    O muito, ou pouco que aprendi a fazer é bem melhor executado por outras pessoas, que se especializaram nisso ou naquilo.
                    Múltipla, concentrei meus esforços num leque de afazeres que me permitiu acompanhar a urbe para todos, ou quase todos os lados.
                    Colecionei elogios e injustiças, guardando-os no mesmo compartimento, a fim de que se neutralizassem.
                    O que fiz de melhor foi gerar e educar filhos. Nisso me considero muito acima da média, pois meus meninos reúnem o que de melhor encontrei pela vida.
                    Não sou medrosa. Por vivência, tenho pavor à cegueira; por observação, aprendi a temer o mal de Alzheimer. Sem meu cérebro e meus olhos estaria acabada, como uma embalagem vazia que só serve para descarte, ou reciclagem. Eu não me reciclaria, pois não sei fazer mais nada que dispense o ver e pensar.
                    Não me destaco em nada, no entanto, me esforço bastante. Estou sempre educando, ensinando, trocando em miúdos, transformando.
                   Sempre há quem faça mais e melhor, ainda que veja muita mediocridade em destaque, com louros indevidos e glórias imerecidas.
                  Não sou nada, não sou ninguém, uma formiga, um grão de areia, um corpo sedentário numa cabeça desmotivada.
                  Gosto de ler, me alimento de letras, uso mil códigos para desvendar as entrelinhas de todos os livros, matérias, poemas. Fico radiante quando consigo me emocionar, quando alcanço a plenitude desejada através daquelas letras. E frustrada ao ver que tanta coisa ruim se sobressai, com brilho falso e efêmero, sem me convencer.
                  A vida também é nada. O jeito é sermos nada com ela, conscientes da nossa insignificância, indiferentes aos brilhos falsos, às glórias efêmeras, a quem acha que algo ou alguém ficará para sempre.

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”

MARIO QUINTANA




Um comentário:

Ana Lúcia Carbonell Martins disse...

Aplausos para o texto! Apenas não concordo com:"Não me destaco em nada, no entanto, me esforço bastante."
Cara amiga, estás muito dura e crítica consigo mesma. Bjo
A