sexta-feira, 12 de março de 2010

CÁRCERE PRIVADO

                Encurtando caminho até o salão de beleza, atravesso uma região pouco segura, quase favela, mas que não chega a me assustar. Carro trancado, películas escuras e a distância curta me encorajam. O fato de ter lecionado em comunidades de fama duvidosa contribui para este arrojo. 
                Pois bem, no bairro em questão as crianças brincam soltas na rua, correndo, soltando pipas, andando de bicicleta, gritando, extravazando energia. Não se vê criança obesa, ou deprimida por ali.
                  Até os animais parecem mais vivos, mais felizes, correndo de um lado para outro, latindo (os cachorros, é claro), rolando na grama, mordiscando um ao outro.

                   A comparação é inevitável. Por onde andam nossas crianças? Na escola, depois na casa dos avós, ou presas em casa com empregadas (ou sozinhas), assistindo TV,  grudadas no computador, nos vídeogames, na geladeira, na cama. Letárgicas, gordas, tristes, porque na rua tudo é perigoso e as grades nas janelas garantem a esses pequenos anjos uma visão de penitenciária.
                    Os pais, absorvidos pela sociedade de consumo, trabalham horas a fio, fazem horas extras e chegam em casa moídos, sem ânimo para nada além de um banho, TV e cama. Gordos também, estressados ao extremo, envelhecendo precocemente, discutindo por qualquer bobagem (na frente dos filhos), numa correria insana ao encontro de bens materiais apenas. E perdendo a infância e adolescência dos filhos (na juventude são eles que debandam), com a desculpa de lhes deixar heranças ou "segurança" no futuro.
                    Os animais de estimação, cada vez mais substituem os filhos, principalmente nos lares onde as pessoas exigem "fidelidade e obediência caninas", para aqueles que não admitem réplicas e que querem ser amados e aceitos mesmo por quem pisam ou enxotam. Aí só cachorro mesmo...
                    Pois estes animais, humanizados ao extremo, igualmente vivem rechonchudos (porque ociosos), comendo coisas erradas, desenvolvendo hábitos contraditórios a sua condição. Não basta amar e cuidar, tem que beijar, colocar na cama, no carro, no colo, cheios de roupas e perfumes. Nem sempre este tratamento é o melhor para eles, pois duvido que preferissem viver presos em apartamentos do que correndo soltos pelos quintais, fuçando, roendo ossos, sendo cães (ou gatos).
                      Minha geração foi criada solta, caminhando até o colégio e por toda a cidade. E os gordos eram minoria.
                      A "geração merendinha" (lembram daquele wafle que quase todas as crianças levavam de lanche para a escola?) dos meus filhos já começou a se encerrar nos prédios. Eles deram mais sorte, pois viveram muito em vilas militares, com espaço de sobra.
                     Meus netos vivem em apartamentos, com redes de proteção nas janelas e não são muitos os animais que já viram "vivos". Não falam com estranhos, não ficam na rua sozinhos nem por um minuto e dependem da boa vontade dos adultos para carregar suas bicicletas no carro, ou jogarem bola nos parques. Ah, e tem que levar algum amigo junto, senão, que graça terá a brincadeira?
                    Fomos, aos poucos, nos encerrando e abdicando dos nossos espaços para aqueles que não hesitam em nos roubar, machucar, até matar. Os morros, com vista privilegiada das cidades, vivem pertinho da natureza, enquanto, os ditos "homens de bem" sonham com condomínios fechados, carros blindados, segurança 24h.
                   A vantagem é numérica. Para cada filho da gente que estuda, se esforça, economiza, batalha, pipocam mais de vinte sem eira, nem beira, nem vontade de fazer nada para conseguir as coisas que querem, além de adquirir uma arma.
                    Triste é a sensação de impotência, o discurso gasto de que é preciso educar o povo, ensinar a evitar filhos todos aqueles que não tenham condições de criá-los, porque assim não dá! Esta proporção geométrica da marginalidade tira qualquer esperança de quem opta pela paternidade consciente e responsável e, no mundo de hoje,só quer ter um filho, no máximo dois.
                     Pra viverem presos, sem chance de usufruírem da vida o que a liberdade proporciona, pra que mais?!

Um comentário:

Anônimo disse...

É uma triste realidade!