Ela era uma beldade original e
fabricada, daquelas que já nasciam com um diferencial e ainda se cobriam de
creme, se enchiam de botox, se espremiam em espartilhos e experimentavam cada
nova fórmula rejuvenescedora. Mesmo bela, inconformava-se com a passagem do
tempo, como se tentasse congelar sua imagem dos anos dourados.
Um cabelo fino e claro emoldurando
grandes olhos azuis, dentes simétricos, mãos pequenas e uma charmosa timidez
faziam de Suelen uma mulher bonita, sem dúvida. A questão é que lhe faltava um
algo mais, uma coisa difícil de descrever até para os homens que se sentiam
atraídos por ela. Numa bonita casca e com um espírito sem maldade, ela não
fazia sucesso entre o público masculino e suas amigas não entendiam por que.
Suelen era quase ingênua, acreditava
em tudo o que ouvia e perdia muito tempo diante do espelho, como se fosse,
rodriguianamente falando, “uma namorada lésbica de si mesma”. Com isso, não
evoluiu muito nos estudos e vivia folheando revistas de fotonovelas e fofocas, já
que nem mesmo romances tinha paciência e concentração para ler.
Suas amigas dançavam as noites
inteiras nos bailes, namoravam os rapazes mais disputados, destacavam-se na
escola e a pobre menina bonita tinha que se conformar sempre com os piores
candidatos, mais interessados em explorar sua beleza imatura do que em se apaixonar por ela.
Foi assim que, numa viagem de seus
pais, driblou a atenção da empregada, bem orientada por um namorado
inescrupuloso e perdeu sua virgindade na escada de sua casa, em pé, de um jeito
muito diferente daquele que lera nas revistas e sonhara.
Dentro de uma pequena probabilidade,
Suelen se descobriu grávida, ainda adolescente, numa época em que não desfruta
de liberdade sequer para ir ao cinema à noite. E o mundo caiu. Foi expulsa de
casa pelo pai rigoroso, que mais tarde se descobriu cheio de amantes, e teve
que deixar a companhia da mãe e das irmãs para viver na casa de uma sogra que
mal conhecera. Pobre moça! A mãe a visitava escondido e ela comeu o pão que o
diabo amassou pelo deslize cometido.
Quando o bebê nasceu – uma menina
gorducha, parecida com a família do pai – seu pai se recusou a conhecê-la e,
mais uma vez, foram as amigas que deixaram seus dias menos tristes e difíceis.
Dizem que o tempo é um santo remédio
para tudo, mas as dores de Suelen não passaram, nem se tornou mais amena a
convivência com aquele que mal conhecera e tivera que tomar por marido. Ele a
enganava, ofendia, tripudiava sobre seus cabelos loiros e seus olhos azuis,
mesmo sendo feio e grotesco.
Um dia, ele se cansou da vida mais ou
menos regrada que precisava levar e foi embora, deixando mulher e filha para
trás. A vida melhorou para a pobre moça, pois ela pôde se reaproximar da casa
paterna, ainda que ouvindo ofensas nada sutis e recriminações constantes.
Sangue não é água e a filha, crescida,
fê-la passar maus bocados em virtude da índole torpe que herdara do pai. Mais
uma vez Suelen sofreu, sem desistir nunca de se cuidar, de se enfeitar, polir
os atributos que a natureza lhe dera, ainda que não encontrasse alguém
merecedor de desfrutá-los.
Um dia, cruzou seu caminho um homem
mais bem posicionado na vida, embora pouco atraente e de conduta duvidosa
diante das mulheres. Carente, Suelen julgou ter encontrado seu príncipe
encantado e ficou logo perdidamente apaixonada.
Mais do que nunca, perdeu horas a fio
nas clínicas de estética e torrou seu salário nas lojas de roupas e calçados.
Avisou as amigas que estava diminuindo a idade, porque ele era mais moço que
ela e pediu que nunca a contestassem na frente dele.
Casaram, tiveram filhos, mas não foram
felizes para sempre, porque ele a traía com mulheres feias e muito mais velhas,
no entanto bem mais interessantes do que ela, segundo esbravejava para quem
quisesse ouvir.
E outra vez Suelen – loira e linda –
tinha embarcado numa canoa furada e de nada serviam seus dotes estéticos ou a
cinturinha que conservava à custa de muita fome e espartilhos torturantes.
Chorava na casa das amigas, fazia
promessas, macumba, despachos, para cada santo uma vela e nada do homem feio se
emendar.
Seguia todos os conselhos que lhe
davam, alguns até contraditórios, sem resultado.
Até que, um dia, uma amiga mais
experiente resolveu incrementar sua vida sexual para ver se dava certo.
Suelen casara duas vezes e nunca tinha ido a
um motel. Alegava mil coisas, um pavor de contaminação, nojo dos
frequentadores, no entanto, para ver se segurava o marido, estava disposta a
tentar.
A amiga resolveu ajudar e, para minimizar seus
imensos temores, usou um conselho da sua ginecologista (nos idos tempos) de que
jogasse álcool na banheira de hidromassagem e riscasse um fósforo para liquidar
com os micro inimigos que tanto assombravam Suelen.
Ela seguiu à risca e, depois de
repetir as poses estudadas no espelho de casa, desfile de lingeries
provocativas e rendadas e de experimentar diversas formas de sedução, partiu
para a higienização total do recinto. Caos total. A banheira já não era de
louça, como no tempo da amiga, e sim de microfibra e se encolhia e repuxava
diante das chamas. Os vitrais (de plástico) do teto começaram a despencar e por
pouco não foi preciso acionar o Corpo de Bombeiros. A vergonha e o prejuízo
colocaram a pá de cal que faltava no relacionamento dos dois.
Não teve mais conserto possível.
Acabou.
E foi melhor assim.
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