quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

VINGANÇA




                       Gente cristã não se vinga. Oferece a outra face para o tapa. Perdoa sempre o agressor. Esquece a ofensa. Ou finge que esqueceu.

                      O corpo humano é burro, seus fluidos não reconhecem, nem diferenciam o bom do ruim, apenas distinguem uma forte emoção que faz o coração disparar, o sangue gelar nas veias, as faces ruborizarem e os olhos brilharem arregalados. Tanto para o tapa quanto para o beijo, para a boa notícia e para a catastrófica. Em ambos os casos ficamos catatônicos, incapazes de uma reação tranquila, plausível. Por isso, quando queremos nos vingar de um mal sofrido, devemos esperar passar esse momento de confusão, baixar a poeira, refletir com calma e, lentamente, arquitetar o troco, ou a vingança.

                      Foi exatamente isso que Rosaura fez.

                     Sempre fora uma estudante dedicada, uma moça responsável que colocava o dever e os compromissos bem antes de qualquer forma de lazer. O pouco que conseguira na vida sempre lhe custara muito esforço e ela agarrava com unhas e dentes todas as oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Não chegara a passar privações, todavia, sempre soubera que tudo o que quisesse da vida não receberia de herança, ou de mão beijada, teria que batalhar muito para conseguir. Por isso, seus planos pessoais foram sendo adiados, pelo menos até que ela chegasse aonde pretendia e tivesse a segurança necessária para pensar em outras coisas na vida.

                       Marilda se formara com ela, no entanto tinhas outras prioridades. Conquistar este ou aquele, comprar isto ou aquilo, viajar, dançar, aproveitar a juventude. Trabalhava na firma do pai, em meio expediente e sem grandes perspectivas. Achava que um marido rico lhe traria tudo o que quisesse bem mais rápido do que enfrentando cursos de aperfeiçoamento, matéria para estudar, finais de semana perdidos.

                      Uma grande empresa multinacional instalou-se na cidade onde elas viviam e quase todo mundo se candidatou às vagas oferecidas e aos altos salários. Rosaura perdeu noites de sono repassando os conhecimentos da área para a qual se inscrevera e Marilda se concentrou em como pretendia se apresentar na entrevista, realçando sua limitada beleza até onde pudesse. A primeira saiu da sala do entrevistador muito satisfeita, pois respondera a tudo com presteza, demonstrando um real conhecimento da função. Já a outra terminou a entrevista com um convite para jantar e para apresentar o forasteiro aos lugares mais divertidos da cidade.

                        No dia do resultado, para surpresa de todos que as conheciam, Rosaura ficou em segundo lugar e Marilda em primeiro, ganhando a vaga sem ao menos ter noção do que iria fazer ali. Diante do espanto e frustração da ex-colega, tripudiou: - Se você se arrumasse melhor teria mais resultado do que andando por aí com tanto livrinho debaixo do braço.

                         Pela primeira vez Rosaura sentiu o peito inchar com um sentimento novo, ácido, amargo, que a sufocava. Não descansaria enquanto não desse o troco àquela espevitada.

                        Continuou na sua labuta diária, no entanto, alguma coisa dentro dela se partira e ela começou a ver o mundo e as pessoas de outra forma. Perdera definitivamente a inocência e a falsa ideia de que o esforço sempre compensa e que seu futuro estaria definido pelas horas de estudo que tivesse.

                        Soube que Marilda ia se casar com o chefe que a entrevistara e não achou justo que tudo de melhor fosse destinado a uma pessoa sem escrúpulos e sem capacidade, cujo único trunfo era o de saber se arrumar e chamar a atenção dos homens.

                      E resolveu se vingar.

                      Uma outra pessoa surgiu de  dentro dela e se pôs a arquitetar um plano demoníaco, só para ver a outra baixar a crista uma vez que fosse.

                      Na véspera do casamento, deu um jeito de convocar Marilda para uma reunião no escritório, fazendo-se passar pela secretária do Chefe, que ela conhecia bem.

                     Comprou um vestido colado ao corpo, com generoso decote e costas de fora, colocou um sapato de salto bem alto, prendeu o cabelo, ousou na maquilagem e nos brincos, exagerou no perfume francês (daqueles que grudam na pele por dias) e vestiu uma capa de gabardine por cima, a fim de não chamar muito a atenção dos funcionários. No estacionamento percebeu quando o carro de Marilda chegava e pôs o plano em ação.

                       Pediu que chamassem a secretária do Chefe na Portaria porque precisava entregar-lhe uma encomenda e, assim que a funcionária se dirigiu ao interfone, esgueirou-se rapidamente, caminhando com firmeza pelos corredores em direção à sala do chefe que a preterira. Abriu a porta decidida e já entrou cheia de sedução. Ele levantou a cabeça dos papéis que examinava, mais surpreso do que contrariado e ela foi logo tirando a capa e jogando por cima da mesa dele. Com uma agilidade da qual nem ela suspeitava, deu a volta e sentou-se nas pernas do homem boquiaberto, colando sua boca vermelha à dele, despenteando seus cabelos e esfregando os braços perfumados em suas costas. Ele não chegou a esboçar nenhuma reação, pelo inusitado e pelo pouco tempo decorrido até ouvir o grito da noiva, estática, vermelha de ira, em pé na porta que ficara propositalmente entreaberta.

                       Rosaura nem ficou para ouvir as explicações, censuras, ou coisas do gênero. Pegou a capa, a bolsa, ajeitou o mini vestido que lhe deixara as pernas à mostra, passou as mãos nos cabelos despenteados e olhou para Marilda, com a boca manchada de batom e da saliva do noivo e um olhar que guardara por meses e que dizia tudo.

                       - Estou vingada!



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