-Tac,
tac, tac, tac. Tac,
tac...tac...tac. Saltos finos e altíssimos riscando a calçada, de um sapato
sonhado e muito caro, um dos tantos presentes obtidos nas tardes quentes
daquele motel afastado. Como se o êxtase e a entrega não fossem suficientes. Uma paixão avassaladora marcando o corpo,
impregnando até a alma de um suor pegajoso, hormonal, num frenesi
característico dos finais iminentes.
A peruca, emprestada da colega que
passara por uma quimioterapia e agora vivia feliz com sua família na ilha de
Santa Catarina, deixara sua silhueta mais alongada, contrastando com a pele
clara do rosto. A bolsa de grife, autêntica, displicentemente jogada no ombro,
fora uma compensação do amante pelo Natal solitário, passado diante de garrafas
vazias. Impedindo seu reconhecimento, óculos grandes, da última moda, quase
viseiras espelhadas que ela mesma comprara no dia anterior. Saia justa, blusa
decotada, mal encobrindo a lingerie de renda, comprada para a ocasião. O
perfume de sempre, aplicado com exagero premeditado. Depilação, manicure,
pedicure, tudo rigorosamente em dia.
A frágil e elegante figura feminina,
que pisa o chão com firmeza e determinação, em nada lembra aquela mulher
histérica que destruíra o apartamento dois dias atrás, quebrando espelhos,
porta-retratos e CDs, num ataque de fúria incontido, com as palavras dele
retumbando nos ouvidos, como a insuflar sua raiva.
Esta que caminha firme está serena e,
apenas uma vez, seus olhos verdes, calmos e profundos demais, piscam ao se
lembrar da criança.
- Menino chato! Ofensivamente bonito,
ousando ligar pai e mãe naquele meio palmo de rosto. Que ódio! Como ele se
atrevera a levá-lo até lá, com seus detestáveis brinquedos, sua fome insaciável
e aquele excesso de cortesia? Com certeza imaginara que os cachinhos loiros
adormecidos em seu sofá iriam comovê-la. Nunca!
E aquele homem, seu homem,
transformado em babá, cheio de rapapés com aquela criança mimada? Custava a
crer que aquele fosse o mesmo corpo que a enlouquecia nas tardes de
quarta-feira, há tantos anos. Uma irritação crescente ameaçava sufocá-la cada vez que percebia seus olhos se iluminarem
ao falar com o menino, ou sua voz amaciar quando se dirigia a ele. Teve ímpetos
de arrancar sua roupa e se jogar sobre ele ali mesmo, numa cavalgada alucinante,
para arrancá-lo daquele torpor paternal.
O menino derretia-se inteiro nos
braços do pai e, embora soubesse da sua existência, nunca lhe parecera merecer
tanta importância. Por que o levara lá? Pensava, talvez, que ela se iria
comover e aceitar sua despedida, pelo simples fato de estar diante do fato
consumado? Ou que iria, nobremente, renunciar a ele pela criança?Tolo.
- Vida nova, emprego novo, nova chance
ao casamento - ele dissera. Como? Agora? Seis anos depois? E ela? E a vida que
ela não teve? A família que desperdiçou? As más línguas? Os vizinhos? Tudo?!
Gritou, mordeu, ameaçou, destruiu tudo
pela frente e ouviu a porta bater e ele partir, segurando firmemente ao colo
seu pequeno tesouro.
Quando as lágrimas secaram, a cabeça
recomeçou a funcionar e seus olhos verdes lançavam faíscas enquanto caprichava
numa pesada maquilagem. Não ia ficar assim, isso não!
Então agora ele seria chefe da
segurança do carro forte? Muito bem. Vamos ver como seria seu primeiro dia de
trabalho nesta retomada da sua vida! Não fora difícil descobrir seu roteiro,
pois o bairro era pequeno e os horários do recolhimento do dinheiro conhecidos.
Dirigiu-se ao supermercado mais próximo e, lá de dentro, pode acompanhar a
movimentação dos guardas e dos malotes. Seguiu, então, rapidamente para a
agência bancária da esquina, que tinha sido assaltada diversas vezes, inclusive
no momento da entrega do dinheiro vindo no carro-forte.
Tac, tac, tac...tac, tac, tac...
Postou-se atrás de uma coluna e
aguardou o posicionamento dos vigilantes. Percebeu um jovem, talvez no seu
primeiro turno de trabalho, visivelmente nervoso, com os lábios contraídos, o
rosto pálido e trejeitos nos cantos da boca evidenciando a tensão. As mãos
suadas seguravam a arma, com o dedo no gatilho. Era esse!
Com a segurança de quem não tem mais
nada a perder e clama por vingança, ela se aproxima do rapaz, que treme
imperceptivelmente. Num gesto repentino, ela saca da bolsa uma arma e a aponta
na direção do rapaz. Ele treme, estupefato, e demora um segundo até apertar o
gatilho da sua própria arma, duvidando que aquela figura feminina realmente
oferecesse risco à sua missão.
O corpo da jovem é violentamente
lançado para cima e para o lado, num tiro certeiro na cabeça, desferido pelo
chefe da segurança, que se encontrava no interior do carro-forte e acompanhara
a cena. O impacto arrancara a peruca escura e os cabelos cor-de-fogo da moça
espalharam-se por suas costas, com fios de sangue entre eles. Sem os óculos, os
olhos de esmeralda, sem vida, insistem em encará-lo. Ao lado,
a arma de brinquedo que seu filho esquecera no apartamento dela. No interior do
carro-forte, coloca o rosto entre as mãos e cai num choro convulsivo e
redentor.
Pouco tempo depois, um novo quadro se
desenha. Pai, mãe e filho caminham à beira-mar, entre risos e conversas. De
repente, cruza por eles uma jovem de cintura fina, bumbum arrebitado, lábios
carnudos, olhos maliciosos e ele a encara, cheio de promessas... Tornaria a
vê-la, com certeza, em muitas quartas-feiras!
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