sábado, 20 de junho de 2015

O QUE OS OLHOS NÃO VEEM




                            Sempre fora o galã do colégio, o boa pinta das festas, o objeto de desejo de quase todas as meninas. Era bonito, forte, musculoso, viril e sabia disso. Nem precisava estudar muito para as provas, porque as colegas faziam questão de ajudá-lo e assim merecer um olhar, ou um meio sorriso dele. Nos bailes de debutantes do clube era o mais disputado e podia escolher seu par entre as beldades da região. Além disso, era rico, filho e neto de políticos influentes e fazendeiros endinheirados. Recebera, portanto, generosa herança na vida, tanto em dinheiro quanto em atributos físicos. Por tudo isso, talvez, tinha poucos amigos verdadeiros, mas um séquito de admiradoras e puxa-sacos.
                             Muitas meninas tinham passado por suas mãos bem cuidadas, entretanto, ele logo se cansava delas e ia em busca de outra mais bela, mais bem dotada de corpo, melhor de vida.
                             Esnobava as colegas menos atraentes, justificando suas boas notas na escola como uma compensação pela falta de beleza e ria delas a cada bom resultado nas provas e seminários, cochichando com as bonitonas da classe, ridicularizando o esforço das feiosas.
Impiedoso, espezinhava Belinha, sua colega desde as séries iniciais: - Sacanagem hein Belinha? Um nome tão bonito... e caía na risada , rodeado pelas beldades de baixo de QI. Belinha tropeçava, ruborizada, morrendo de vergonha, embora detivesse as melhores médias da turma.
                              Como não foi possível colar no Vestibular e em sua cidade não havia universidade paga, com seleção simplificada, ele ficou marcando passo e curtindo com as belezuras dos cursinhos por um bom tempo.
                             Nunca fora de cumprir ordens, ou regras; bebia muito nas festas e depois saía acelerando seus carrões, em busca de mais adrenalina.
                             Numa madrugada chuvosa o carro derrapou e os reflexos amortecidos pelo álcool e pelos energizantes não conseguiram evitar a batida no poste e a capotagem. Duas jovens mortas, uma em estado grave e ele com traumatismo craniano, transferido com urgência para a capital. Dois meses na UTI, entre a vida e a morte e uma sequela dolorosa – o nervo ótico fora atingido e ele não iria mais enxergar.
                            O desespero inicial foi, aos poucos, substituído por uma grande apatia. Não lhe interessava mais viver. Os psiquiatras e psicólogos tentaram de tudo para trazê-lo de volta, para que ele encontrasse uma motivação qualquer, mas foi em vão. A família, então, decidiu apelar para os tratamentos alternativos, massagens, fisioterapia, misticismo.
                           No primeiro dia, a moça quase foi expulsa aos gritos. Irritado, ele descarregou nela toda sua raiva e a frustração acumulada por meses. Ela, indiferente, acendia os incensos e preparava a cama de massagem, com uma música muito suave ao fundo. Ele resistiu, se negou, entretanto acabou concordando em deitar de bruços por um instante apenas. Quando as mãos da moça tocaram seus ombros foi como se uma onda de paz e frescor invadisse seu espírito atribulado. E ele relaxou, pela primeira vez depois do acidente.
                          Passou a esperar com ansiedade pela chegada da massagista, pegou-se caprichando no banho e até pedindo um pouco de perfume ao enfermeiro que o acompanhava.  Cada sessão era uma visita ao paraíso e, sem dúvida, a melhor parte do seu dia. Fantasiava sobre o rosto e o corpo da sua fada madrinha, imaginando-a bela como todas as mulheres que tivera. Ninguém lhe dava detalhes, só falavam que ela era uma moça comum, normal.
                         Não precisou mais do que alguns meses para ele se confessar apaixonado e disposto a ficar com a moça o tempo todo, a vida inteira. Ainda era bonito, continuava rico, podia dar uma boa vida a ela.
                         Determinado, segurou suas mãos com força, tocou seu rosto, seus cabelos, procurou o desenho do corpo, mediu os seios com as mãos espalmadas, puxou sua cabeça e a beijou. Ela tremia. Fez o pedido, ainda com as mãos dela entre as suas. Ela, com a voz embargada, solicitou um tempo para pensar, não estava acostumada a tomar decisões imediatas.  Relutando, ele consentiu, mas para enfatizar tornou a beijá-la e pôde sentir que ela não lhe era indiferente.
                          Quando a moça se preparava para ir embora, ainda com as faces coradas pela emoção, ele se lembrou de perguntar:
                          - Imagina só, já lhe pedi em casamento e ainda não sei seu nome!
                          Ela parou na porta, respirou fundo e se voltou para ele, dizendo com uma voz indefinível:
                          - Belinha!








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