Parece título de literatura infanto-juvenil e não deixa de
ser. Em que outra idade conseguimos ser plenamente felizes?
A memória tem cheiros, os aromas nos carregam para lugares
dos quais nem lembrávamos mais. Foi o que me aconteceu.
De repente, a partir de uma simples torradinha com geleia
foi chegando um tempo incrível, povoado, repleto de vozes e presenças, algumas
das quais já não estão mais por aqui.
Num átimo me vi em Iraí, num quarto do Hotel Internacional,
onde minha família costumava passar as férias de verão, desde o tempo em que
minha mãe era solteira e ia com os pais dela.
Durante saborosos vinte e um dias meus pais e minha avó (já
viúva) tomavam banhos aquecidos no Balneário, duchas, massagens, banhos de água
de mineral. Para eles, era um alívio para as dores reumáticas e musculares;
para nós era a oportunidade maravilhosa de rever os amigos do lugar e fazer
outros, a cada temporada.
De manhã cedo saíamos a caminhar, meu pai, meu irmão mais
velho e eu. Andávamos por trilhas, atravessávamos a pinguela para visitar a
aldeia dos índios, recebíamos lições de história e de botânica e terminávamos o
passeio com copos de água mineral, cujo gosto estranhávamos nos primeiros dias
e depois custávamos a beber da outra, tão mais pesada e impura.
Os hotéis forneciam todas as refeições – maravilhosas! Mesmo
assim, meu pai se preocupava em comprar algumas frutas, queijo, biscoito,
rapadura, goiabada, coisas para deixar no quarto caso as crianças tivessem fome
antes do jantar. E o aroma dos doces se misturava ao da erva-mate e também do
fumo do palheiro dele e formavam aquele perfume inconfundível do roupão do meu
pai, que conservou seu cheiro por um bom tempo depois que ele partiu.
Naquele tempo meu pai não tinha carro. Só tinha avião. Os pilotos
têm ideias um tanto diferentes dos outros. E eu não sei como ele conseguia
organizar e transportar aquela família, de ônibus e de trem, sendo que, além da
minha mãe e das três crianças, minha avó levava uma mala imensa (para não
repetir vestido no jantar) e ainda uma chapeleira redonda de couro, enorme.
Levar a sogra e ainda com toda essa bagagem... só o seu Ramos mesmo!
Para complicar mais um pouquinho, eu tinha uma boneca da
qual não me separava nunca, que se chamava Margareth. Pois ela tinha uma mala
pequena com suas roupas e seus pertences também. Certa feita, na correria do
café da manhã no dia da partida, Margareth foi esquecida na cadeirinha alta que
ocupava ao meu lado na mesa do refeitório. Sonolenta e acossada com tantas
ordens, chamados, bagagens, correrias, só fui me dar conta quando o ônibus
havia partido e todos tomaram seus lugares. Corri ao meu pai, já com as
lágrimas saltando dos olhos e gemi: - Pai, a Margareth ficou no hotel!
Imediatamente ele pulou em direção ao motorista e pediu: - Por favor, volte à
rodoviária, não podemos partir sem a Margareth! Não sei se o motorista pensou
que era uma criança, o fato foi que voltou e, já no caminho, a Kombi do hotel
vinha em disparada trazendo o precioso esquecimento, pois todos sabiam o quanto
ela significava para mim.
Naquela época não havia frigobar nos quartos, nem ar
condicionado, muito menos televisão e era tudo tão bom!
À noite, depois do jantar, as pessoas colocavam cadeiras de
abrir na rua, em frente ao hotel e ficavam conversando até fazer a digestão e
se recolherem. As crianças brincavam ali perto, ou ficavam jogando nas mesas,
ou ainda caminhando com os adultos até a sorveteria.
Nossas férias em Iraí duraram até a infância dos meus
filhos. Daí os hotéis já tinham piscina, água gelada nos apartamentos e
televisão. Mas era tão bom quanto antes, porque o bom mesmo, o melhor de tudo
era ser criança e ter meus irmãos, meus pais e minha avó por perto.
O sabor da infância é que deixa tudo mais gostoso,
incomparável, inesquecível!
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