segunda-feira, 5 de maio de 2014

SENNA . . . MUITO PESAR, POUCA SURPRESA



Escrevi este texto há vinte anos.
Está publicado no meu primeiro livro de crônicas - "GAZETEANDO". 

 
Para um iniciado em Literatura, não é de bom tom ou muita eficácia abordar um assunto sem o necessário "distanciamento", porque a emoção nos impede a neutralidade e até deforma os fatos.
Acontece que, sem profissionalização ou maiores estudos, tenho em mim, latente, uma veia de repórter que fica me cobrando um posicionamento e um comentário sobre as coisas de maior relevância na vida do meu povo.
É por isso que, ainda consternada com o desaparecimento de um dos maiores de nossos escassos heróis, resolvi comentar a trágica e derradeira corrida de Ayrton Senna rumo à morte, no Primeiro de Maio dos trabalhadores.
Grotesco o "presente de grego" que esta classe ultrajada o oprimida recebeu na sua data. Duplamente traída, já que suas queixas e desesperanças, diante da fatalidade que atingiu seu ídolo, não foram sequer ouvidas ou comentadas em parte alguma.
Quando me refiro à pouca surpresa com o acidente de Senna baseio-me não nos conhecimentos rudimentares que tenho da Fórmula 1 (nem mesmo aprecio muito este que reluto em considerar "esporte"), mas no suficiente que já li sobre o piloto, sua impulsividade, seu desejo de vencer a qualquer preço, a maneira temerária com que se lançava na disputa, a ponto de terminar corridas completamente estressado, sem condições até para caminhar.
Ayrton Senna deve ser admirado por ter sido o melhor na carreira que escolheu , pelo bom caráter que sempre demonstrou e pelo patriotismo de amar tanto sua pátria e colocá-la em destaque no mundo inteiro por um motivo engrandecedor - logo este pobre Brasil que só bate recordes negativos: de violência, corrupção, miséria, extermínio, escândalos. Muito obrigado, Senna, por dez anos o mundo pôde admirar um brasileiro!
Agora, nunca vi alguém virar mito tão depressa! Com certeza, ele próprio se surpreenderia com a força incontrolável das manifestações por todos os cantos do país. Isso me assusta! Será que esta fama de latinos, passionais, desesperados, apaixonados nunca irá se neutralizar um pouco?!
O Brasil é carente de "heróis"! O Brasil não vive sem heróis! O Brasil morre com seu heróis ... ou os esquece em poucos dias.
Será que esta dor crucial do povo brasileiro pela morte de Senna sobreviverá à Copa do Mundo? Ou surgirá nela um novo "herói"?
Fico perplexa ao lembrar do "choro e ranger  de dentes" que sobreveio à morte de Tancredo Neves, seguido pela apoteose popular ao "Caçador de Marajás", derrubado violentamente pelo mesmo povo (que pintou a cara para não ser reconhecido).
Calma brasileiros e brasileiras! Guardem um pouco desta paixão visceral para se indignarem com a miséria faminta deste país de tantos ricos; com a ignorância e o descumprimento dos Direitos Humanos; com a falta de solidariedade destes que só se unem em torno de uma catástrofe ou de um herói.
Ayrton Senna morreu! Vai fazer muita falta para o automobilismo, para os brasileiros e, sobretudo, para a sua família. Mas morreu na "pole-position", no melhor carro, jovem, bonito, saudável e vencedor. Ainda bem! Porque, se demorasse a vencer, se adoecesse ou ficasse velho para a Fórmula 1 ... este mesmo povo choroso virar-lhe-ia as costas e o condenaria ao esquecimento, porque este é um país sem memória!

 junho de 1994.



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