sábado, 9 de novembro de 2013

NEM TUDO SÃO FLORES...




                               9 de novembro. Dia do meu aniversário. Há sessenta e um anos eu nasci, feia e chorona como quase todos os bebês, mas muito festejada pelo fato de quebrar uma hegemonia familiar masculina.
                               Vivi intensamente cada dia, cada mês, cada ano desta minha vida, muito embora nem sempre realizando coisas, mas concebendo-as dentro da minha cabeça, nas páginas dos livros, nos infinitos textos que criei.
                              Sempre tive uma autocensura despótica, cruel demais. Fui intransigente comigo o tempo todo; hoje, finalmente, reconheço minhas virtudes e valorizo a luta que sempre empreendi à frente da minha família de origem, tomando conta dos mais velhos; depois, assumindo completamente os filhos que coloquei no mundo e, mais tarde, sendo mãe-babá-anjo da guarda e motorista dos netos. Parece pouco, parece normal, entretanto, isso tudo, no dia a dia, tem um peso considerável, uma vez que o comprometimento gera limitações e a responsabilidade não se limita a beijos e abraços ocasionais.
                              Tudo isso são escolhas e a vida é feita delas. Há quem consiga ser feliz fazendo apenas o que gosta. Há quem precise ver todo mundo da família bem e feliz para conseguir relaxar. Cada um é do seu jeito. E o meu é assim. Transformo em literatura os passeios e viagens que não consigo fazer, as mansões que nunca pude comprar, a liberdade da qual nunca usufruí. E assim vou vivendo, com muito mais a agradecer do que a pedir.
                              Sempre achei que fosse morrer cedo. Uma vez, lá na praça do meu Alegrete, uma cigana disse que eu não chegaria aos vinte e um anos. Ela estava brava porque eu não tinha dinheiro para lhe dar, na minha infância as crianças não tinham dinheiro. Durante muitos anos vivi com esse temor e respirei aliviada quando completei vinte e dois anos, já com dois filhos e esbanjando saúde e energia.
                              Mais tarde, imaginei que chegar ao ano 2000, ao século XXI seria querer demais! Ou o mundo acabaria antes, ou eu me despediria dele.
                              Hoje estou completando sessenta e um! E ainda estou bem viva! Principalmente no início do dia.
                              Minha mãe, aos noventa e quatro anos, continua saudável, lúcida, comunicativa, o esteio da família. Almoçamos juntas todos os dias e ainda conversamos bastante ao entardecer, na hora do cafezinho e do chimarrão. Ela é minha vizinha, mora no andar debaixo; perto bastante, mas sem perder sua privacidade.
                            Meus filhos casados moram também por aqui, um no mesmo prédio e o outro a  apenas duas quadras. O caçula ainda mora longe, mas quem sabe a vida o devolve para nós daqui a pouco.
                            Os netos ficam comigo, têm roupas, brinquedos, camas, mamadeiras, tudo aqui mesmo e só precisam chegar, sem mochila alguma, para os cuidados da vovó. O retorno é imensurável! Quando bebês, pelos abraços e olhares e, depois de crescidos, através dos desenhos, declarações de amor, conversas demoradas.
                           É claro que esse é o lado bom de tudo. E tudo na vida tem dois lados, no mínimo.
                          Existem problemas, limitações físicas, fragilidades emocionais, decepções, preocupações, desilusões e muitos outros “ões” que acompanham o passar dos anos. Não tem como ficar contente com a nova imagem que o espelho nos devolve, com as dores aqui e ali, com os resultados nem sempre perfeitos dos exames de rotina.
                         Estamos envelhecendo. Nossos filhos já apresentam fios prateados nas têmporas, nossos netos crescem e ficam espertos. Nossos amigos estão todos velhos como nós. A não ser os que vivem no bisturi, nos salões de cabeleireiro, fazendo uso de incontáveis artifícios para driblar a passagem do tempo, com resultados no mínimo questionáveis.
                        É claro que sentimos saudades da pessoa que fomos, principalmente da “casca” que tínhamos há anos atrás! Mas o tempo é implacável e seria burrice nos rebelarmos contra o que não tem solução.
                        Por isso, é melhor repetir a Oração de São Francisco e nos resignarmos com o  que não pode ser mudado.
                        Hoje é o meu aniversário, estou viva, minha mãe, meus filhos, meus netos e meu marido estão ao meu lado e tenho obrigação de agradecer por tudo e me sentir feliz!
                        Parabéns então! E que venham as flores!






2 comentários:

Dule disse...

...... esgrimista daalavra, como e teu talento. ANIVERSARIO, MUDANCA DE IDADE , BALANCO DE VIDA. Gostei de faceta que mostrastes e valorizastes.....COLOQUIAL e coerente com os resultados que vens se,eando e colhendo.....PARABENS, GURIAzinha

Lizar disse...

O dom da palavra escrita nao e para qualquer um!!!! Adorei, beijos!!!!!