Ontem à noite,
naquela hora derradeira do dia em que ficamos trocando de canal na TV em busca
de algo que nos interesse antes de irmos para a cama, encontrei, no Canal
Brasil, uma preciosidade: um programa inteirinho sobre o livro “Raízes do
Brasil” (1936), seu autor - Sérgio Buarque de Holanda – e entrevistas deliciosas
com toda a sua família.
Uma delícia ver
e ouvir Chico Buarque (jovem e ainda bonito) falando sobre seu pai e a relação
entre eles. Os sete filhos e a neta mimosa, filha de Bebel e João Gilberto,
deram depoimentos emocionados, em vários tons, sobre o grande historiador que
procurou elucidar, no livro citado, a formação da sociedade brasileira. Ainda
que o tema me atraia muito e que eu mesma tenha me debruçado sobre ele e a obra
em questão nos meus cursos de pós-graduação, é só na parte humana e familiar do
escritor que aqui desejo me deter.
Os filhos em
geral e Chico em particular afirmaram que o escritório do pai era “zona
proibida” para as crianças, que jamais entravam naquele recinto repleto de
livros e papéis. Mesmo que o pai trabalhasse com a porta aberta, ninguém ousava
transpor aquele muro invisível. Disseram também que o pai só se aproximava mais
dos filhos depois que eles completavam vinte anos e tinham alguma inteligência
para ler, entender e comentar os livros que ele recomendava , podendo entabular
um diálogo bem fundamentado com ele.
E todos falaram
com amor, respeito e admiração profunda daquele pai distante e exigente, que,
segundo os filhos, teve muita influência na vida da família, mesmo sem se
comunicar muito com eles.
Todos também
ressaltaram que o pai só foi quem foi e fez o que fez graças à sua esposa,
ainda viva e simpaticíssima, que comandava a casa e a criançada, garantindo o
silêncio e a tranquilidade necessárias ao grande historiador. Disseram que ele
mesmo, pouco antes de morrer, fez esta declaração enfática.
Meu irmão
Tibério, que desponta no momento como romancista, criou seu espaço em casa e
até na casa da praia, instalando uma escadinha de ferro em caracol dentro da
suíte do casal, que o leva ao andar de cima, onde ele se evade no seu
escritório, podendo ler e escrever no maior sossego, tendo por companhia apenas
o vinho tinto, o barulho do mar e os boleros românticos. Sem jamais ser
interrompido ou molestado. Por isso não pára de criar e deve agradecer à minha
cunhada pelo respeito e pela cumplicidade com seu processo criativo e sua
necessidade de isolamento.
Já no meu caso
é bem diferente.
Preciso
madrugar no computador, antes que os pedidos, as queixas e as cobranças batam à
porta, exigindo minhas resoluções, meu tempo, ou pedindo colo.
Não é fácil
entrar no clima e quebrá-lo abruptamente. Mas comigo é assim que é. Sem querer,
virei matriarca de uma família maravilhosa que, como todas, têm seus probleminhas
que precisam de auxílio ou solução. Por isso, escrevo onde posso, tenho blocos
e canetas em tudo quanto é canto da casa, bolsas, bolsos e vou registrando
minhas idéias quando e onde dá, para depois, quando puder, passá-las ao
computador.
Deve ser por
isso que os melhores escritores são homens e dos homens antigos, daqueles que
nunca trocaram uma fralda ou obedeceram a suas mulheres. Porque os homens de
hoje dificilmente conseguem ter vida própria ou lazer, são solicitados o tempo
inteiro e ai deles que ousem se afastar.
Sérgio Buarque
de Holanda identificou a “cordialidade” como a característica fundamental do
brasileiro.
Deve ser.
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