terça-feira, 2 de outubro de 2012

RAÍZES DO BRASIL




Ontem à noite, naquela hora derradeira do dia em que ficamos trocando de canal na TV em busca de algo que nos interesse antes de irmos para a cama, encontrei, no Canal Brasil, uma preciosidade: um programa inteirinho sobre o livro “Raízes do Brasil” (1936), seu autor - Sérgio Buarque de Holanda – e entrevistas deliciosas com toda a sua família.
Uma delícia ver e ouvir Chico Buarque (jovem e ainda bonito) falando sobre seu pai e a relação entre eles. Os sete filhos e a neta mimosa, filha de Bebel e João Gilberto, deram depoimentos emocionados, em vários tons, sobre o grande historiador que procurou elucidar, no livro citado, a formação da sociedade brasileira. Ainda que o tema me atraia muito e que eu mesma tenha me debruçado sobre ele e a obra em questão nos meus cursos de pós-graduação, é só na parte humana e familiar do escritor que aqui desejo me deter.
Os filhos em geral e Chico em particular afirmaram que o escritório do pai era “zona proibida” para as crianças, que jamais entravam naquele recinto repleto de livros e papéis. Mesmo que o pai trabalhasse com a porta aberta, ninguém ousava transpor aquele muro invisível. Disseram também que o pai só se aproximava mais dos filhos depois que eles completavam vinte anos e tinham alguma inteligência para ler, entender e comentar os livros que ele recomendava , podendo entabular um diálogo bem fundamentado com ele.
E todos falaram com amor, respeito e admiração profunda daquele pai distante e exigente, que, segundo os filhos, teve muita influência na vida da família, mesmo sem se comunicar muito com eles.
Todos também ressaltaram que o pai só foi quem foi e fez o que fez graças à sua esposa, ainda viva e simpaticíssima, que comandava a casa e a criançada, garantindo o silêncio e a tranquilidade necessárias ao grande historiador. Disseram que ele mesmo, pouco antes de morrer, fez esta declaração enfática.
Meu irmão Tibério, que desponta no momento como romancista, criou seu espaço em casa e até na casa da praia, instalando uma escadinha de ferro em caracol dentro da suíte do casal, que o leva ao andar de cima, onde ele se evade no seu escritório, podendo ler e escrever no maior sossego, tendo por companhia apenas o vinho tinto, o barulho do mar e os boleros românticos. Sem jamais ser interrompido ou molestado. Por isso não pára de criar e deve agradecer à minha cunhada pelo respeito e pela cumplicidade com seu processo criativo e sua necessidade de isolamento.
Já no meu caso é bem diferente.
Preciso madrugar no computador, antes que os pedidos, as queixas e as cobranças batam à porta, exigindo minhas resoluções, meu tempo, ou pedindo colo.
Não é fácil entrar no clima e quebrá-lo abruptamente. Mas comigo é assim que é. Sem querer, virei matriarca de uma família maravilhosa que, como todas, têm seus probleminhas que precisam de auxílio ou solução. Por isso, escrevo onde posso, tenho blocos e canetas em tudo quanto é canto da casa, bolsas, bolsos e vou registrando minhas idéias quando e onde dá, para depois, quando puder, passá-las ao computador.
Deve ser por isso que os melhores escritores são homens e dos homens antigos, daqueles que nunca trocaram uma fralda ou obedeceram a suas mulheres. Porque os homens de hoje dificilmente conseguem ter vida própria ou lazer, são solicitados o tempo inteiro e ai deles que ousem se afastar.
Sérgio Buarque de Holanda identificou a “cordialidade” como a característica fundamental do brasileiro.
Deve ser.



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