quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

SEU JOÃO



Casualmente ouvi seu nome, gritado pelos companheiros de trabalho. Ia escrever sem saber como ele se chamava, já que o nome, neste caso, não tem a menor importância.
Quando destruíram o terreno dos pássaros, bem ao lado do meu prédio, ele foi a primeira pessoa a aparecer. Já o odiei à primeira vista, por vê-lo comandando as máquinas destruidoras e barulhentas.
É um negro velho, forte, de peito largo, cara sisuda e cabelos quase brancos. Deve ter bem mais de sessenta anos. Desde o primeiro buraco no terreno já aconteceu sob sua supervisão.
Com minha netinha dormindo no quarto ao lado do mesmo, habituada a ser embalada apenas pelo canto dos passarinhos, antipatizei com ele logo de cara.
Não sei quantas vezes ela acordou sobressaltada, chorando, por causa do barulho da famigerada serra elétrica; operada por quem? Por seu João, é claro! Reclamei com ele, pedi que colocasse a serra no outro lado do terreno, onde não havia um prédio cheio de crianças tentando tirar uma soneca. Ao que ele, mais sério do que nunca, apenas respondia: “- É obra, senhora! É obra!” Num indisfarçável orgulho.
Sete horas da manhã (em ponto!) seu João bate um sino e coloca o capacete, faça chuva ou faça sol. O homem não pára um segundo de trabalhar e dar ordens. Um imenso temporal desabando, até com granizo, e seu João dentro de uma valeta instalando as fundações da obra, encharcado até os ossos e sem se abalar.
Corta madeira, sobe e desce em escadas íngremes, sempre medindo, sempre consultando a planta, sempre dando ordens, sempre sério. Ignora a cantoria e as piadas dos peões; quando muito dá um meio sorriso que nem chega a mostrar os dentes, silencioso como uma abelha na colméia.
Seu João só pára de trabalhar quando chega o empreiteiro, ou os engenheiros e ele dá todas as explicações. E recebe todas as ordens, sem discuti-las, a não ser tecnicamente.
Deve ser por isso que um homem velho ainda consegue emprego e é valioso numa construção. É que ele é do tempo em que os patrões mandavam e os empregados obedeciam; do tempo em que os horários eram respeitados, do tempo em que não existia mau tempo que impedisse alguém de cumprir sua função e que não inventavam desculpas e atestados médicos frios para faltar ao serviço.
Continuo não gostando do seu João, porque ele atrapalha o sono da Bruna, mas aprendi a respeitá-lo tanto que até uma crônica lhe dediquei.
“– É blog, seu João, é blog!”


Um comentário:

Sylvia disse...

Bela crônica. Muito aprendi com os Seus Joãos que encontrei pela vida. Compartilho a homenagam.