domingo, 9 de outubro de 2011

HERANÇAS


Para Jocelém, que está casando o filho caçula e sofre as agulhadas da "síndrome do ninho vazio".


Calma. Não me refiro a dinheiro, ou bens materiais. Esses, sei, já causaram desagregações familiares, traumas e até homicídios.
Reporto-me àquele tipo de herança que ninguém nos pode tomar, quando muito dividir – as heranças afetivas.
Desde jovens, quando desfilamos nossas rosados bebês em carrinhos pelas ruas e praças da cidade, somos prevenidos para o dia em que eles baterem suas próprias asas e voarem.
Só que parece algo tão remoto que não nos merece maior atenção. Afinal, difícil é expulsá-los da nossa cama, do nosso colo e da atenção integral que querem receber de nós.
Quando meu terceiro filho começou a caminhar, lembro-me de ter pensado que as mães deveriam ter três mãos, para não deixar nenhuma mãozinha de fora. E minha mãe sempre preconizando: “- Filhos criados, trabalhos dobrados”. Como? Se já sabiam tomar banho sozinhos, fazer as tarefas da escola sem auxílio, escovar os dentes, vestir-se? Impossível.
Mal sabia eu que preocupação ocupa e desgosta muito mais do que trabalhos com a pequena prole, que “desmaia” na cama após o banho e o jantar.
Agora, quando eles partem, o espaço que ocupavam na casa cria fendas doloridas no coração da gente. As camas vazias, com as colchas esticadas, as portas fechadas dos guarda-roupas, o banheiro impecável, as guloseimas estragando na geladeira, o silêncio (antes desejado) fazendo um barulho ensurdecedor e triste, enfim, precisamos nos reprogramar para viver sem eles, o que não é tarefa fácil.
Preparei meus filhos para a vida, alarguei, o quanto pude, seus horizontes e eles partiram, em busca de vôos e sonhos maiores. Afinal, nesta ilha paradisíaca (Florianópolis) só tem vaga para surfista ou funcionário público.
Quando o mais velho partiu, deixou-me de “herança” um canarinho belga, batizado de Chiquinho. Quatro anos depois, mantém-se firme e até ensaia alguns trinados, mas limpar gaiola todo santo dia não é mole...
O segundo me deixou a Pitty, cachorrinha schnawzer que me encanta a vida, mas tem suas exigências e sabe cobrar seus direitos.
Do caçula “herdei” um grande aquário, cheio de peixinhos. Ai meu Deus, como é difícil manter um aquário em boas condições! Uma verdadeira parafernália de luzes, bombas de ar, aquecedor, etc, sem falar na limpeza que parece um dos trabalhos de Hércules.
É, além da saudade onipresente, temos as “heranças”... Ao saber de suas visitas, junto com  os bolos, pudins, frutos do mar há o esmero em apresentar muito bem seus (meus?) “herdeiros”. Coisas de mãe...
Meu netinho Lucas, na última visita, deixou sua mãozinha “tatuada” no vidro do meu carro. E assim ficou por quase um mês. Cadê coragem para lavar? Coisas de avó...


 Florianópolis, 18 de setembro de 2005.

Um comentário:

Luiz Barboza Neto disse...

Cara amiga ML,

Concluí, após ler este artigo, que somos vidas gêmeas.
Melhor dizendo, nossas vivências são muito iguais.
Grato por mais essas emoções.