sábado, 15 de setembro de 2018

PRETA



               Poucas pessoas, fatos ou coisas conseguiriam me trazer de volta ao computador nestas férias cada vez mais mirradas (já perceberam como o tempo passa mais rápido depois de uma “certa idade”?).
Nem Bin Laden, nem Argentina, nem Popó, nem Guga, nem futebol, nada disso valeria o tempo longe da praia, se bem que este verão está mais para cinema e pipoca, com tantas chuvas, ventos e frio.
Pois uma simpática cachorrinha, vira-lata puríssima, tanto me assediou que mereceu uma crônica.
Na verdade, ela me adotou durante as caminhadas diárias que faço nas ruas desertas do Balneário (um bairro do Continente). É uma cachorra adulta, jovem e esguia, de pelo curto brilhoso, pretinho, apenas com as patas e as sobrancelhas manchadas de amarelo. Batizei-a de Preta, por motivos óbvios, e porque precisava dirigir-me a ela de alguma maneira, uma vez que passamos uma hora por dia juntas e já enfrentamos alguns perigos.
Este bairro onde caminho é residencial, tem pouco movimento de carros, é mais perto do mar e o ar é mais puro. Só tem um senão, que antes não me causava maiores cuidados: é cheio de cães de guarda das pomposas residências e grandes vira-latas rondando os lixos fartos. Minha presença não costumava incomodá-los, entretanto, parece que todos têm verdadeira aversão à minha nova amiguinha. De repente, surgem cães ferozes jogando-se contra os portões fechados e outros soltos , mais barulhentos e menos perigosos, colocando a pobre Preta em maus lençóis.
Até aí tudo bem, tudo normal, SE a danada não se arvorasse em minha propriedade e me cobrasse proteção. Sim, porque ela corre para mim, chega a subir com as patas dianteiras nas minhas costas, como se eu a tivesse visto nascer. E lá vou eu, com os bolsos cheios de pedras, colocando a cachorrada a correr... ganho lambidas, sacudir de rabo e até impressões digitais enlameadas na minha camiseta branca.
Sempre usufruí duplamente das caminhadas, exercito o corpo enquanto reflito, programo, resolvo coisas. Gosto de caminhar sozinha e rápido, sem conversar. Muitas coisas da minha vida se resolveram nessas ocasiões. Todavia, quando nossa cabeça não está boa, quando temos problemas que não dependem da nossa resolução, acontece de potencializarmos as dificuldades durante o exercício e voltarmos mais deprimidos do que fomos. Nesse ponto, a companhia da minha nova amiga tem sido providencial. Andamos em tal estado de alerta, evitando as ruas de cachorros mais agressivos, que o tempo passa e não consigo pensar em mais nada. Despedimo-nos na praça, porque não posso tê-la em apartamento e nem teria coragem de privá-la da liberdade das ruas.
Já tive muitos cachorros, em várias cidades, de diferentes raças. O último nos foi tirado de forma tão traumática que sofremos até hoje as consequências da sua passagem pela nossa vida. Não pensava em me afeiçoar tão cedo a outro animal, porque não sou dessas pessoas que vivem recolhendo animais das ruas, muito embora tenha simpatia por eles.
Durante muito tempo critiquei duramente os donos de cãezinhos por gastarem fortunas em Pet Shops, quando poderiam adotar uma criança.
Hoje mudei um pouco minhas ideias em relação ao tema. Os cães são amigos fidelíssimos, dão pouco trabalho, fazem mais companhia, enfim, dão aos donos um amor incondicional, mesmo quando repreendidos ou esquecidos horas a fio sozinhos. Além disso, se a classe média ou alta faz planejamento familiar, muitas vezes deixando de ter mais filhos por falta de condições para lhes proporcionar uma vida razoável, com oportunidades, porque deveria adotar todos os filhos gerados por irresponsabilidade, por preguiça de recorrerem aos métodos contraceptivos e até mesmo para usarem a gravidez e os bebês como forma de extorquir dinheiro da sociedade?
Penso que cada casal tem o direito de planejar sua família e, se quiser, ter seu animalzinho de estimação, uma vez que batalham para isso e se privam de muitas coisas para atingir suas metas.
O Governo, os professores, a Saúde Pública, a televisão, enfim, todos os que quiserem se somar a uma saudável corrente em prol da educação de todos, notadamente das mulheres, serão bem-vindos e poderão contribuir de maneira efetiva para a erradicação da violência, refreando estas verdadeiras máquinas de fazer crianças, sem a mínima condição de proporcionar-lhes um futuro digno.
Poucas crianças têm a chance de adotar um adulto que as proteja e que ande com o bolso cheio de pedras para livrá-la dos perigos. É mais seguro que contem com pais responsáveis.
Bem, está na hora de colocar os tênis e partir para mais uma caminhada. Encontrarei Preta por lá? Não sei, os fatos episódicos, como o próprio nome diz, não têm longa duração. Se não a encontrar, pelo menos a terei  imortalizado nesta crônica , que é o meio mais eficiente de eternizar alguém.
E ela nem sabe que já ficou famosa até no Alegrete...




2 comentários:

Belah Almeida disse...

Linda crônica!E como sabes que amo os animais, me emocionei com a tua amiguinha de caminhadas.

carlos miranda (betomelodia) disse...

pparabéns por teu texto, Maria Luiza...
tens a pura e bela poesia em teus escritos...
abraços...