terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

ESSA NÃO SOU EU



                     Tenho cada vez mais saudade de mim.
                     E não é só da juventude, do corpo certinho, das pernas ágeis.
                     Sinto saudade até de dois ou três anos atrás, quando a política, a corrupção e a violência não tinham nos invadido de forma tão bombástica; quando nosso país e, principalmente, nosso povo não nos envergonhava tanto diante do mundo.
                     Meu filho mais novo, meu anjo loiro hoje vive do outro lado do planeta, sem a menor vontade de voltar para um país que não valoriza quem trabalha, quem aprofunda seus conhecimentos e onde ninguém pode adquirir nada de valor sem precisar andar escondido. Sozinho, de madrugada, ele espera por trens e metrôs com a maior segurança, enquanto aqui falsos foliões depredam e saqueiam as estações todas nas noites de carnaval.
                   Tenho saudade dos doces que eu fazia, da fusão de ervas e temperos na minha cozinha onde hoje só recende o café. Quando foi que perdi a vontade de cozinhar? De tocar piano? Até de escrever? Como me deixei invadir assim por novas tristezas e contrariedades, sufocando quem eu sempre fui?
                     Há oito dias me sinto doente. Do corpo. Da mente faz mais tempo.
                     E como é difícil ter alguma inspiração quando perdemos a saúde!
                     Não sou paciente; no entanto, acho que dessa vez gastei a dose de paciência que tinha reservado para o ano todo. E como a gente precisa ter paciência com essas novas doenças e os novos tratamentos que só usam paliativos e mandam esperar...
                   Tenho saudade de mim saudável, questionadora, cozinheira, escritora, cheia de planos e de esperança.
                    Como ter esperança nesse país? Vendo os corruptos e ladrões do povo serem soltos por um mais corrupto ainda? Sabendo dos inocentes mortos diariamente por balas de bandidos? Conhecendo os candidatos a substituírem os maus e tão ruins quanto eles?
                     Queria meu filho de volta... daqui a pouco ele casa e fica de vez por lá... talvez eu tenha que atravessar o mundo para conhecer meu neto. Tudo tão diferente do que sonhei, do que vivi com os outros filhos. Mas como desejar que ele volte se aqui está tudo cada vez pior e se ele admira tanto a cultura e  a educação do povo onde está vivendo? Se nunca foi de baladas, de mulheres seminuas abaixando até o chão, de gente que fala aos gritos, que não respeita os idosos, que briga no trânsito, que fura filas e quer dar um jeitinho pra tudo? Meu coração que se aquiete e deixe que ele seja feliz por lá...
                      Queria ter vontade de fazer um doce de abóbora, uma maionese de bacalhau, uma canjica... agora vem Semana Santa , Páscoa e cadê vontade de cozinhar?! Sempre faltando um... e logo o que, sendo solteiro, ainda era mais meu.
                      Depois vem o aniversário dele e eu não poderei abraçá-lo, porque ninguém vai e volta ao Japão numa semana e isso é o máximo que a minha mãe aguenta sem mim.
                      Minha gripe se transformou em sinusite. Sinto um cheiro horrível dentro do nariz, uma coisa pavorosa. Se a minha mãe tivesse me dado o antibiótico que queria tudo isso poderia ter sido evitado. Mas não, hoje não se dá mais antibiótico para gripe... e só quem sofre é que sabe...
                     Saudades de mim... tanta!




Nenhum comentário: