Assim como a verdade pode ser relativa e ter muitas faces, a
mentira também pode não ser sempre ruim e nefasta.
O que dizer para uma mãe, um pai, avós e tios de um bebê,
completamente encantados por ele, a não ser que é “lindo”?! Mesmo que nossos
olhos não o considerem e seus traços fujam daquele padrão harmônico que se
convencionou chamar de belo.
O mesmo se pode dizer quando nos referimos a debutantes e a
noivas. Nesse caso, a pujança dos vestidos e ornamentos deixa nosso comentário
menos falso, uma vez que dificilmente elas estarão mal vestidas e sua pouca
beleza poderá ser facilmente disfarçada.
As redes sociais são as campeãs dessa falsidade benevolente
e simpática. A criatura coloca uma “selfie” bem questionável em termos
estéticos e a turma do elogio fácil logo cai de babações bem pouco sinceras e
até ofensivas de tanto que se distanciam da realidade. Sempre me pergunto se a
dona ou o dono da foto acaba acreditando nos elogios...
Velhos não são bonitos. E ponto. Não há nada de belo em
rugas, cabelos finos e ralos, papadas, varizes e mil outros defeitinhos que a
natureza vai brindando as pessoas ano a ano, como a lhes cobrar um tributo por
continuarem vivas. Até o cheiro dos velhos vai, aos poucos, se assemelhando àquelas
rosas que ficam muito nos vasos e perdem seu perfume natural. Velhos são amorosos,
são queridos, são amados, são experientes, são necessários, são uma bênção nas
famílias. Mas “lindos” não são. Quando asseados, bem cuidados, usando bons
cremes e bons perfumes, podem ser cheirosos também, uma vez que seu cheiro natural
fica bem neutralizado pela higiene e vaidade. Bonito de ver e de sentir.
“Querido, esperto, grande, engraçadinho, fofo” são adjetivos
que se aplicavam aos bebês que não tinham aquele padrão de beleza da revista
Pais e Filhos. Hoje não. É “lindo” pra todo lado que, ao invés de valorizar, banalizaram
e esvaziaram o adjetivo.
“Amados, queridos, amorosos, maravilhosos” enaltecem muito
bem a terceira idade sem precisar incorrer na falsa beleza, a não ser que se
refiram à beleza interior. As crianças, sempre mais sinceras, endeusam os avós
quando bem pequenas, depois começam a enxergar com clareza e a julgar
esteticamente, daí percebem que lindos são os pais, cheirosos são os pais e que
os avós são gostosos de colo, de afago e de proteção.
Mentir a um doente terminal pode ser um ato de amor e
generosidade, pois, a despeito da crueza da medicina atual, a esperança faz
mais milagres que os medicamentos. Uma mentira piedosa e elogiável.
Mentir a um feio que o acha lindo pode ser até ofensivo, a
menos que a pessoa realmente tenha uma imagem distorcida de si mesma. Nesse caso,
por que não procurar por outras qualidades, que ela certamente possui? Por que
ninguém banaliza adjetivos como “inteligente, brilhante”? Será porque a inteligência
é bem mais difícil de provar?
A questão é a seguinte: ou todo mundo, quase sem exceção, se
embelezou de verdade e virou “lindo” mesmo, ou lindo não quer mais dizer belo e
sim passou a ser quase um cumprimento, uma interjeição. Uma mentira piedosa,
como tantas outras.
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