Querida vó Odith!
Hoje resolvi escrever uma carta, te colocando a par das
novidades e mudanças no nosso tempo e em nossa família. Não sei quando irás
recebê-la, no entanto, isso não é o mais importante. O que conta mesmo é essa
vontade de conversar contigo, devagarzinho, como fizemos tantas vezes na
varanda da nossa casa.
Fecho os olhos e te
vejo, sempre perfumada e arrumada, sentada na cadeira de balanço. Na verdade,
nem preciso fechar os olhos, basta me ver nos espelhos, pois estou, a cada ano,
mais parecida contigo. Por dentro e por fora.
Imagina, Vó, que esta tua netinha também já é avó?! Pois é.
Fui mãe bem cedo,mas depois os filhos homens me deram um prazo mais longo para
cuidar de mim e da minha profissão, antes de colocarem seus filhos em meu colo
e na minha casa, onde fiquei tomando conta deles até atingirem a idade escolar.
Já são quatro. Lindos de viver! E ainda faltam os do Kadu, que está demorando mais para se decidir. Não é só corujice de avó
não, eles são perfeitinhos mesmo, com traços delicados, olhos grandes e cabelos
sedosos. Tiveram mais sorte que nós, né Vó, pelo menos não herdaram nossos
olhos amendoados e nossos cabelos crespos.
Com certeza lembras dos meus bailados! Pois minha neta mais
velha (filha do Cristiano) herdou o ritmo e a musicalidade e já dança balé muito bem! Assim como tu
dizias de mim nas apresentações, também acho que ela é mais graciosa que todas
as outras.
Meu piano anda muito fechado, muito quieto, pois quase não
tenho tempo para tocar. Minha netinha Alice (filha do Luciano) é que está sempre me fazendo tocar um pouco para ela. Tem muita inclinação para a música! Ajudo a cuidar das crianças e, principalmente, tenho
todo o carinho e atenção para com minha mãe, tua filha, que está forte e lúcida
aos noventa e sete anos! Vivo me prometendo voltar a tocar, as pequenas já
adoram dedilhar suas teclas, qualquer dia desses cumpro a promessa.
Sabe Vó, eu lembro sempre de ti, em tudo o que faço, até
porque aprendi a maior parte das coisas contigo. Dizem que sou a tua sucessora
na cozinha, onde o bacalhau e o pavê de chocolate continuam em destaque nos
almoços da família. De vez em quando faço aqueles pães e aqueles doces
maravilhosos que enchiam a cristaleira da nossa casa e mais pareciam doces
portugueses de tantos ovos que levavam na receita. Deve ter sido também por
causa deles que viveste tão forte e saudável até os noventa e seis anos!
Contigo aprendi, também, os tantos segredos dos cuidados
femininos, o respeito ao corpo e à mente, a postura e, sobretudo, a
sinceridade. Quero ser para as minhas netas o que tu foste para mim – uma
segunda mãe atenciosa, presente, orientadora. Nossa diferença está nos beijos e
abraços que distribuo generosamente aos meus pequenos e que não eram muito
comuns em ti.
Vó querida, acho que não ias gostar muito do mundo de hoje.
Tanta coisa feia, tantas injustiças, tanta violência, tanto desrespeito... Os
tempos mudaram depressa demais e não sei se para melhor. O ar está poluído, os
alimentos contaminados, muitas doenças incuráveis oriundas dessa poluição,
outras decorrentes da solidão e da depressão em que as pessoas vivem, os
valores morais estão quase extintos, enfim, creio que não te adaptarias a esse
tempo.
Nosso pequeno mundo era até melhor, depois que chegou essa
tal de globalização o que conseguimos foi ficar sabendo das desgraças de todos
os povos do mundo que, somadas às nossas, deixam a humanidade muito mais
infeliz.
Notícia boa é te contar que teu bisneto mais velho se formou
como sonhavas e hoje é um cardiologista respeitado. Ele também não te esquece e
sempre se refere a ti com muito carinho. E a tem três filhos lindos e a filhinha mais velha tem os dentinhos da
frente separados, como os teus. Sangue não é mesmo água!
Como eu gostaria de poder te apresentar cada um dos membros
da família que formei! Eles te conhecem muito bem, já que deixaste tua marca
bem nítida em mim, em tudo o que eu sou, além da semelhança física.
Saudade... muita! Sempre. Nossa casa ainda tem o perfume dos
jasmins que plantaste e o consolo maior para a tua ausência vem da Fé, a mesma
fé que povoou teus dias e que dá significado aos meus.
Nossa Senhora há de levar esta carta para ti, sei que deves
estar pertinho dEla, porque foi o que sempre pediste nas tuas orações.
Num tempo de sentimentos superficiais e efêmeros, não há de
passar em branco a devoção e a saudade de uma neta por aquela que foi uma avó
no sentido mais gostoso e pleno da palavra.
Cuida de mim Vozinha!
Te amo!
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