quarta-feira, 18 de maio de 2016

TEMPOS BICUDOS



                          Em seis décadas de vida não me recordo de tempos politicamente tão conturbados como este que vivemos no Brasil. É bem verdade que em 64, na época da Ditadura Militar, eu ainda só pensava em bonecas e patinetes. Mas na minha casa não se falava em ódio, nem se via na TV (que nós nem tínhamos) revoltas, saques, depredações. Redes sociais, então, seria coisa para os Jetsons! E olha que pertenço a uma família de gente engajada na política, tendo um avô Prefeito e um tio Vereador, daqueles com montanhas de votos. Meu pai era da UDN e minha mãe do PTB. Na casa do meu avô o PTB fazia reuniões políticas que meu pai aguardava terminarem tomando chimarrão e fumando palheiro no pátio. Na saída, todos se cumprimentavam, numa cordialidade e respeito absolutos. Meu avô saiu mais pobre da prefeitura do que entrou, pois deixou de trabalhar no seu Cartório para atender os problemas da comunidade. Meu pai cansou de colocar gasolina nos aviões do Aeroclube do seu próprio bolso, para que os alunos não perdessem as aulas. Não tínhamos carro (meu pai só tinha um avião) e íamos para a escola a pé, às vezes debaixo de temporais, porque meu pai jamais usaria a caminhonete do Aeroclube para fins particulares. Naquele tempo, a gente nem questionava isso, achava normal. Hoje é que eu comparo e dou ainda mais valor à retidão de caráter dos políticos daquela época em geral e do meu pai e do meu avô em particular.
                         A mídia é responsável por quase tudo que sabemos e discutimos hoje em dia. Se não fosse pelos meios de comunicação, continuaríamos caminhando de olhos vendados rumo ao precipício. Nunca o jornalismo político esteve tanto em evidência e preocupa o fato de que, caso as manchetes de capa não tratem dos assuntos mais polêmicos da política nacional, dificilmente alguém se interessará em comprar aquele periódico, ou aquela revista. Os cadernos de cultura servem pra enrolar peixe e banana e as matérias sobre assuntos outros são imediatamente deixadas de lado. Não é preciso ser político para entender que, com a desvalorização do magistério (só bons salários valorizam o professor), os alunos não apreciam a cultura, não descobrem o prazer da leitura, não se interessam pelas artes. O professor também é carente desse conhecimento, não teve tempo ou aptidão para se aprimorar e alguns escolheram o magistério apenas porque era o curso mais fácil de ser aprovado no vestibular. Sabendo quanto irão receber e o trabalho árduo que precisarão desempenhar, muitos professores verdadeiramente vocacionados debandam para outras áreas e o ensino fica cada vez pior, as Feiras do Livro dão pena, vendendo apenas livretos mal traduzidos a preços irrisórios (já que produzidos aos milhares), com conteúdo zero.
                            As pessoas, nesses tempos, ingressam num redemoinho de informações, de acusações, de mentiras e desmentidos que as envolvem completamente, subtraindo-as de seu lazer, incompatibilizando-as com os amigos, deixando de lado compromissos que antes as satisfaziam e até com prejuízo do convívio familiar, num afã de provar que seus argumentos estão certos, como se dependesse delas a salvação do país.
                           Tudo passa. Esse tempo também passará. Resta saber o que, na fina peneira do tempo, irá restar de toda essa briga, quem serão os heróis e os vilões no registro da história e que benefícios e malefícios advieram ao povo.
                            Enquanto isso, bom seria que os ventos outonais soprassem com mais frescor, levando as folhas secas e os males feitos para longe e deixando o povo brasileiro lagartear ao sol do meio dia, descongelando os ossos e saudando os amigos.
                           Oxalá.




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