domingo, 22 de maio de 2016

NEM HOMEM, NEM PROSTITUTA.




                          Passei muito frio na vida. Todas as meninas da minha geração passaram, mais até do que as da geração da minha mãe e da minha avó. Arrisco a dizer que as meninas dos anos sessenta foram as que tiveram as pernas mais geladas em todo sul do Brasil.

                          Nos dias de hoje, convenções são para serem desrespeitadas e cada família veste seus filhos como bem entender, sempre visando o conforto deles. Mas não foi sempre assim. No século XX ainda as pessoas tinham normas a seguir, inclusive no vestuário. E seguiam. Muito cedo as crianças e jovens aprendiam o que podiam e não podiam vestir, quando e onde.

                         Minha avó usava saias compridas, no meio das canelas. Minha mãe usou saias largas, bem abaixo dos joelhos. E eu sou bem do tempo da minissaia, da saia um palmo acima do joelho... inclusive no inverno!

                        Na minha cidade não nevava, apenas porque a topografia não permitia, no entanto, a geada branqueava a praça, os canteiros, os gramados, tudo, até levantar no meio da manhã, quando ficava ainda mais frio.

                       As crianças iam a pé para a escola, atravessando a praça central, uma rua e ainda uma avenida. Antes das oito da manhã a praça se vestia de azul marinho e branco e crianças encolhidas de frio, cheias de roupa. Menos as meninas. Essas usavam blusões, casacos, saia curta e meias até o joelho. Só.

                       A coxa ficava esbranquiçada de frio, chegava a descascar, mas mulheres direitas não usavam calças compridas. Esse era um luxo dado apenas aos meninos maiores, que já tinham deixado as calças curtas, e às prostitutas. Era fácil reconhecê-las nas ruas pelos “slacks” de helanca aquecendo suas pernas roliças.

                       Lembro até hoje do calor da minha primeira calça jeans! Para usar apenas em casa. Eu já era adolescente e a calça era dura, desconfortável.

                       Nas festas, quando cresci um pouco, o alento vinha da meia de nylon fininha, sempre com a costura torta e puxando fios com facilidade. Sem contar o desconforto das cintas ligas, ou das ligas que não paravam no lugar.

                     Uma modernidade que atingiu minha geração foram os absorventes higiênicos. Livres dos paninhos das nossas mães, usamos Modess de meio palmo de espessura, afixados numa cinta com presilhas, colocada junto com a cinta liga e que nos desencorajava até de fazer xixi, pelos tantos “arreios” que precisávamos ajustar no banheiro.

                     Por essas convenções e pelos invernos rigorosos do sul, na infância eu desejava ser menino na hora de ir para a escola, só para poder colocar uma calça comprida quentinha nas minhas pernas geladas. Ou prostituta, pela mesma razão.


4 comentários:

Ana Luiza Carivali disse...

Tuas crônicas caem redondas para quem viveu esta época, e também para qiem é Alegretense , o trajeto se desenrola na memória.

Maria Luiza Vargas Ramos disse...

Fico sempre feliz quando vocês se reconhecem nelas. Obrigada querida!

Izabelle Valladares disse...

Muito boa crônica kkkk as vezes eu tbm queria ser prostituta, mas para fazer com gosto o que faço de graça kkkkmmmm

Izabelle Valladares disse...

Muito boa crônica kkkk as vezes eu tbm queria ser prostituta, mas para fazer com gosto o que faço de graça kkkkmmmm