HOMENS ALADOS

Apesar de alguns desastres marcantes e inesquecíveis nos céus brasileiros, qualquer estatística nos comprovaria que o avião ainda é o meio de transporte mais seguro e que as falhas humanas podem ser prevenidas, mas nem sempre evitadas.

O aviador é um homem alado, pois se crê pássaro e só percebe o mundo de cima para baixo, além das nuvens. Deve ter uma visão semelhante à do Criador, onde pessoas são formigas e arranha-céus não passam de caixinhas de fósforos. Os problemas terrenos certamente ficam diminuídos diante daquela imensidão de azul, por isso, não raro, os aviadores têm a fama de desligados. Tudo uma questão de perspectiva.

Sempre me considerei filha de aviador, embora meu pai fosse funcionário público e só daí viesse o nosso sustento. É que ele vivia a aviação com tal paixão, tal entrega, que parecia não saber fazer outra coisa. O Aéro Clube de Alegrete vinha sempre em primeiro lugar nas suas prioridades e tudo o mais de sua agenda precisaria encaixar-se nas raras folgas do Instrutor Ramos. 

Hoje percebo melhor sua escala de valores e prioridades, seu desdém pelas fofocas, frivolidades, picuinhas... para quem vive nos ares, tendo como limite o horizonte  e por vizinho o silêncio majestoso dos céus, não seria possível preocupar-se com coisas tão pequenas, tão fugazes, tão sem importância.

Meu pai viveu 92 anos, o suficiente para escrever sua trajetória para sempre nos céus de Alegrete e para merecer a homenagem de ver seu nome eternizado no Aeroporto da cidade. Foi cumprido o desejo da comunidade, expresso em tantas listas de assinaturas encabeçadas por lideranças da cidade e clubes de serviço.

Agora, finalmente, o Aeroporto será revitalizado, com vôos comerciais tão necessários para a região da Campanha e seu nome irá brilhar numa placa no saguão, para deleite de seus conterrâneos e familiares.

Ele não viveu para ver sua dedicação recompensada, todavia, seus descendentes hão de ostentar com orgulho suas passagens aéreas onde constará o destino: Aeroporto Gaudêncio Ramos!