sexta-feira, 6 de julho de 2012

MINHA NOVA VIZINHA


Escrevi este texto há quase oito anos. Hoje ela já não lê mais, pois seus olhos se gastaram no mundo mágico das letras. De resto, continua lúcida, saudável, risonha, gregária ao extremo.


As moças da minha geração casavam cedo e usavam grossas alianças de ouro. Não fugi à regra. Com dezoito anos deixei meu lindo quarto de ferro cor-de-rosa, feito pelo Fontanari, e fui morar num apartamentinho, com todas as responsabilidades de uma recém-casada. Aos dezenove já era mãe do Luciano e três anos depois, com  mais um bebê de dois meses nos braços, deixei meu Alegrete.
Tive bons vizinhos nas cidades por onde andei, mas nenhum tão bom quanto a nova vizinha que tenho agora. É uma mulher encantadora, daquelas que a gente gostaria de ter passado cada minuto da vida ao lado. Tem 85 anos e um brilho juvenil nos olhos e na voz . É diferente de todas as mães, avós e bisavós que conheço, porque sua cabeça não envelhece.
Dorminhoca, noveleira, não dispensa a leitura diária do jornal, principalmente da parte política e econômica. Prefere rádios AM, para ouvir as notícias, e assiste futebol na TV sem reclamar. Aliás, ela não reclama de nada, nem se exclama. Não briga com ninguém, não faz fofocas, não procura defeitos nos outros. Como não é perfeita, lida muito mal com dinheiro e tem a pretensão de resolver os problemas de todos com seu talão de cheques.
Poucos colegas da minha área de Letras leram ou lêem tanto quanto minha vizinha. Além do jornal, devora romances em poucos dias, faz palavras cruzadas e lê as revistas sobre as novelas, para contar o que vai acontecer no momento em que a gente está assistindo.
Ela caminha pouco, mas se entretém no sofá, com suas rezas e leituras, lugar preferido da minha cachorrinha, que a “chama” de vovó.
Diz que nunca aprendeu a cozinhar, embora seja uma boa “teórica” no assunto. Ela diz não ligar muito para arrumações, todavia está sempre caprichosamente perfumada e com um sorriso nos lábios pintados de vermelho. Emociona-se quando fala da família e dos amigos que deixou em sua terra natal e é completamente apaixonada pelos filhos e netos.
Minha nova vizinha  se chama Conceição, mora no meu prédio e eu a visito várias vezes ao dia. Foi uma segunda chance que o Pai do Céu me deu para conviver com esta pessoa adorável, que é também minha mãe.

Florianópolis, dezembro de 2004.

Um comentário:

Fernanda disse...

Uma ternura esse texto, Maria Luiza.
Foi abençoada.
Beijinhos