segunda-feira, 18 de junho de 2012

CAMALEOA


 

Quando temos mais tempo, nossa relação pessoal também se altera. A passagem pelo espelho é mais demorada (e quase sempre frustrante), a conversa com os vizinhos no corredor do prédio, no balcão da padaria, tudo é feito com mais vagar. No supermercado escolhemos, comparamos, reparamos na validade e até no rótulo dos ingredientes de produtos que comprávamos às vezes só pelo desenho, de tanta pressa.
                Na diminuição da correria cresce a análise de tudo e de todos, principalmente de nós mesmos. Quando somos bonitos, cheios de vida, de brilho, vivemos apressados, atrasados, sem tempo para nada. Agora, que nem gostamos tanto assim de nos prestar atenção, temos todo o tempo do mundo para acompanhar a trajetória de cada ruguinha, cada fio de cabelo branco e outras coisas de estética duvidosa é que elas vão surgindo, em lugares outrora tão  mais bonitos.
                Reparei, por exemplo, que tenho livre trânsito nas mais diversas rodas. Minha colega mais velha da hidroginástica tem 80 anos. E me faz confidências. Ex-alunas e companheiras de viagem de 17, 18 anos conversam livremente comigo, sem restrições. Cruzes, quando eu tinha a idade delas, alguém com 20 anos a mais já era considerada jurássica; a gente respeitava, mas conversar jamais. Converso bem com homens, quem sabe por ser de uma família onde eles são maioria absoluta. Só não gosto de futebol. Converso com ricos, conheço até o nome de algumas "finuras" necessárias ao seu convívio e não me sinto amedrontada ou diminuída diante de seus luxos. Tenho alguns bons amigos sem problema de dinheiro, poucos na verdade.  
Converso muito bem com pobres, com prestadores de serviço e até com mendigos. Adapto meu linguajar a cada tribo, sem dificuldade.
               Por isso me considero camaleoa. Porque sei ficar velha, jovem, quase criança, rica, pobre, operária, madame, enfim, só espero nunca esquecer quem eu sou na realidade.
              Ou serei um pouco disso tudo? Se não finjo, nem minto, apenas me adapto, será que não possuo em mim um pouco de todas essas pessoas em quem me transformo quando necessário?
               Parafraseando Fernando Pessoa, digo que o escritor também é um fingidor.


Um comentário:

Francisco Carlos D'Andrea (francari) disse...

Não, Maria Luiza, você não é uma fingidora, mas uma escritora, pois um escritor é, no fundo, um analista de sí e do mundo que o rodeia e, para entender e penetrar neste mundo, há que se fazer camaleão, adotar os procedimentos, linguagem e ademanes de cada tipo que se quer retratar, para ter veracidade no que se escreve.
Um grande abraço do Francisco Carlos.