segunda-feira, 19 de março de 2012

REALIDADES



Para começo de conversa, será que este substantivo pode ser utilizado no plural? Ou a realidade é uma só, sempre? Será então única, ou múltipla? Exata ou relativa? Sem estabelecer estes critérios, como se pode dizer, então, que o sujeito está fora da realidade ou não vive de acordo com a realidade?
Imagine-se a realidade de um turista, por exemplo, que está de passagem pelo país, ansioso por usufruir ao máximo o que de melhor lhe for oferecido, sem se importar muito com os nativos e seu modo de vida. Ele certamente viverá de acordo com o que se propôs e essa será a sua realidade.
Um refugiado, escondido dos órgãos de imigração, terá uma visão do país completamente diferente e bendirá os becos e ruelas de pouca luz que protejam seu anonimato, pouco se importando com os pontos turísticos e os cartões postais do lugar.
A realidade de uma pessoa doente difere muito daquela de quem esbanja saúde. E seus atos serão naturalmente permeados pela perspectiva, ou a falta dela, de uma vida mais breve e/ou mais sofrida.
As modelos passam fome por conta de seu trabalho, o que justifica, mas não explica; dormem ouvindo os gemidos de seu estômago, por pura vaidade, mesmo com a geladeira abarrotada de comida. O ato é o mesmo – não comer – mas a realidade é muito diferente dos miseráveis e famintos que aceitariam um pão dormido, um iogurte vencido, qualquer coisa que neutralizasse o suco gástrico que lhes corrói as entranhas.
A realidade dos ricos é completamente diferente da dos pobres; o próprio tempo, para quem depende de ônibus ou das suas pernas, fica muito relativizado. Adoecer sem remédios, sem médicos, sem exames é uma realidade que algumas pessoas jamais conhecerão. Como exigir atitudes semelhantes em situações tão díspares? Como esperar o mesmo cumprimento de horário, o mesmo sorriso, o mesmo desempenho de quem já chega ao trabalho, ou à escola cansado de tantas conduções, tanto esforço sobre uma xícara de café puro, bebido, requentado?
A realidade do ambientalista pouco condiz com a do empreiteiro que, se pudesse, construiria lindos hotéis sobre o mangue, ou aterraria largas faixas à beira-mar para nelas subir seus condomínios de luxo.
Existem pessoas que pensam a vida, outras que apenas a usufruem. Gente reflexiva e gente tipo “bobo alegre”, repetindo frases de livros de auto-ajuda, passando pela vida impunemente, sem acrescentar nada a ela e nada dela entender. Aos primeiros dão o rótulo de “tristes, deprimidos, baixo astral”, como se o ser humano tivesse por missão abrir os olhos a cada manhã, olhar-se no espelho e dizer: - Sou lindo, capaz e feliz! Posso tudo! A estes, nem a visão de um homem velho arrastando pesado carrinho de papelão, sob forte chuva, desviando dos carros potentes, consegue causar alguma estranheza.  - Fazer o quê? dizem, sacudindo os ombros.
Esta é a realidade, que não pode mais ser usada no singular. Uma realidade de caos social, violência urbana, falta de honestidade e de valores em geral. Por quê? Sinal do fim do mundo? Sodoma e Gomorra? Apocalipse? Aquecimento global para o mundo terminar com fogo desta vez? Não sei. As religiões é que devem se preocupar em nos orientar nesse sentido. O que sei é que o tripé que sustentava a humanidade foi desfeito, causando perda total no bicho homem. O que nos mantinha unidos e nos dava condições de vida comunitária era a família, a escola e a religião. Destruiu-se a família, sucateou-se a escola e questionou-se ao máximo, até o ponto de descrença, a religião. Deu no que deu. O resultado está aí, para quem quiser ver. Crimes hediondos, inimagináveis; cadeias cheias transformadas em pós-graduação do banditismo; hipocrisia social (jovens ricos sustentando o tráfico de drogas); falta de respeito, de humanidade, de solidariedade, de caráter, de civilidade. Infelizmente, desta realidade todos compartilhamos e temos nossa parcela de culpa, nem que seja por omissão.
Mudá-la? Não é impossível, porém não será trabalho de um homem, um governo ou uma instituição. Ou nos reunimos e encaramos o problema de frente, sem meias palavras, ou, daqui a pouco, nossa realidade se assemelhará aos nossos piores pesadelos. Não podemos nos eximir. É nossa culpa sim! E reconhecê-la pode ser o primeiro passo para transformá-la. Nossos descendentes merecem, com certeza.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom esse texto. Bete