sábado, 20 de abril de 2019

GUETOS DE DOR


As redes sociais aproximam as pessoas. Nas redes sociais nos sentimos amados, acompanhados. Mas nem sempre.
Até que ponto a solidariedade das redes sociais nos ajuda?
Quando promovem campanhas de doação de sangue para pacientes hospitalizados, exames para doação de medula a quem está condenado, ou fundos para a compra de remédios importados caríssimos certamente prestam um serviço inestimável.
A dúvida é se realmente as pessoas do outro lado do computador conseguem realmente sentir piedade ou empatia por quem sofre de verdade. Sim, porque nem todo mundo é sempre sorridente e feliz como nas fotos que posta nas redes sociais. Mesmo quem não tem grandes problemas, certamente tem momentos de solidão e de dor que não compartilha, muitas vezes por desacreditar numa solidariedade autêntica por parte dos seus amigos virtuais.
Existem vários grupos de pessoas numa sociedade, alguns tão fechados que se assemelham a guetos e só interagem entre eles. Há os muito ricos, os famosos, os dessa ou daquela profissão ou religião, os amantes de arte, os que não vivem sem livros, os cinéfilos, os contestadores, os politiqueiros, os vencedores, os perdedores, os fanáticos por futebol, os mulherengos, as homerengas, os piadistas... e os doentes. Neste grupo estão as pessoas mais carentes, mais sofridas, mais desesperadas e também as mais reclusas. Talvez por descrerem de uma verdadeira empatia com seu sofrimento por parte daqueles vencedores afortunados, sempre brilhando e estampando sorrisos nas redes sociais.
Quem verdadeiramente se importa com aqueles que sofrem, que sentem medo, que padecem de dores e diagnósticos nefastos? Quem se condói e se solidariza com quem perdeu pessoas queridas e não está conseguindo sobreviver à perda? Quem se preocupa com quem mergulha numa depressão e luta para sair dela, muitas vezes sem sucesso? Quem pensa em ajudar quem passa por grandes dificuldades financeiras sem conseguir uma solução em curto prazo? Quem imagina que cuidar de idosos ou pessoas com Alzheimer seja um paraíso constante? É mais fácil fechar os olhos, dar as costas do que verdadeiramente se importar.
Daí surgem os paliativos, as piadas de mau gosto, as receitas compartilhadas e nunca experimentadas, as preces não rezadas, as tantas curtidas sem ao menos olhar com atenção para o que está curtindo, os parabéns vazios só porque foi lembrado pela máquina, os compartilhamentos políticos sem sequer entender o que está sendo discutido, a inveja do sucesso e da ostentação de A ou B, a irritação com os comentários desagradáveis, a piedade momentânea com quem confessa alguma perda, o tempo gasto, o tempo perdido.
Há que se abrirem os portões dos guetos para que as redes sociais cumpram seu papel. Do contrário, será apenas um passatempo para quem não tem nada melhor para fazer. Se a dor do outro não me importa, não me diz respeito, o outro também não conta para mim. Ao invés de invejar a riqueza e a beleza de alguns, que tal prestar mais atenção no sofrimento e na carência do outro?
Todos vão morrer. E acabar do mesmo jeito. A diferença está neste intervalo entre o nascimento e morte.
Sejamos a diferença.







Um comentário:

Francisco Carlos D'Andrea (francari) disse...

Também certas palavras de cunho popular, mas ainda não dicionarizadas, vivem no gueto das Palavras Omitidas: homerenga é uma dessas palavras.
Quando essas palavras populares são usadas por uma escritora de renome, é dado o primeiro passo delas rumo ao vernáculo e, quiçá, aos clássicos do idioma.