Não se passa incólume pelas dores da vida.
A gente até resiste, suporta, mas as marcas ficam e a
cobrança chega, mais cedo ou mais tarde.
Primeiro sofremos com a doença, depois com o efeito
devastador dos remédios. Isso quando se trata de doenças comuns, sem maior gravidade.
Acordar com a cabeça latejando é um dos piores despertares.
Tudo fica ainda mais difícil quando a rua acorda e os barulhos começam. Como
podem fazer tantas coisas, falar alto, bater portas se ainda não consegui
estancar essa dor? Como afastar esses pensamentos sombrios sobre as
intermináveis coisas que esperam que eu faça?
Não sou exemplo de nada. Nem quero ser. Estou cansada e só
queria uma casa na penumbra, silenciosa, vazia, onde eu pudesse respirar
lentamente, sem relógios, sem telefone, sem campainha. Camas pela casa e o direito
de deitar nelas sempre que quisesse, sem culpa. Um soro anestésico seria bem
vindo... daqueles que produzem um sono artificial, no entanto profundo o
suficiente para esquecer de tudo e de todos.
Aposentar a máscara do sorriso, as respostas mecânicas, os
remédios para isso e para tirar o efeito disso, os silêncios compartilhados, o
faz de conta.
Conversar com os mortos, com aqueles que fazem tanta falta e
que faziam a diferença.
Viajar pelo mundo sem bilhete de volta, sem data marcada,
sem roteiro predeterminado.
Esquecer as mazelas, sumir com os jornais, dar de ombros,
virar as costas, fechar a porta e as janelas.
De repente, tudo ficou tão em vão... o bonito ficou feio, o
importante desnecessário, supérfluo, sem valor algum. O dinheiro comprou as
coisas, que deram mais incômodo que alegrias e acrescentaram tantos dissabores
à alma que fizeram tudo ficar sem valor. Por que as pessoas desperdiçam tanto
tempo e tanta energia fazendo obras, empreitadas, coisas que não levarão com
elas nessa passagem efêmera por aqui?
Pra que tudo isso? Parem com tanto barulho! A vida está
escondida numa fresta apenas, nas asas do beija-flor, na fumaça da vela, no
silêncio, no escuro, na balbuciar da criança, no rosário.
Deixe-me em paz. E, por favor, apague a luz!
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