terça-feira, 3 de junho de 2014

RESUMO DO LIVRO DIRCEU

Minha mãe tem 95 anos e se interessa por política, futebol, todas as questões da vida. Mas seus olhos já estão cansados. Então, quando o livro é do interesse dela, costumo resumr para ela poder ler sem cansar.
Foi o que fiz com o livro "Dirceu", que ganhei de presente do meu filho e pelo qual ela se interessou.
Compartilho meu resumo aqui, quem sabe alguém também tem interesse.





DIRCEU
"Em vez de comandar uma coluna guerrilheira, o grande sonho de minha vida, vou ter que comandar uma coluna de carros oficiais em Brasília."
José Dirceu, na campanha de Lula a presidente em 1989.

"Luiz Inácio da Silva, o Lula, com sua longa barba negra, conversava animadamente com José Cicote, Djalma Bom e Gilson Menezes, seus companheiros de direção do sindicato. O relógio ainda não marcava onze da manhã, mas o grupo já tomara duas ou três doses de cachaça em um boteco na frente do sindicato, justificando o apelido jocoso, "Clube do Mé", que os adversários pregaram no quarteto."
"Dirceu o acompanhava em boa parte dessas viagens. Os dois iniciariam ali uma relação de amor, ódio e dependência. Jamais seriam amigos de frequentar a casa um do outro. Teriam brigas sérias, mas nunca tão feias a ponto de separá-los. E as características complementares os uniram. Lula, desde a primeira campanha, percebeu que precisava da capacidade de organização partidária de Dirceu, que viu na proximidade com o líder carismático, dono de uma oratória invejável, a grande possibilidade de crescer na política e na vida."

"A preocupação do Dirceu era me afastar do poder. Na historia do PT, ele sempre brigou com os intelectuais, com quem é mais culto do que ele. Foi assim comigo, com o Cristovam Buarque, com o Luiz Eduardo Soares e vários outros" - avaliou Fernando Gabeira, 24 anos depois. E confirmou que a infundada fama de homossexual fora usada por Dirceu para queimá-lo: "Dirceu sempre foi preocupado com a questão da masculinidade. Falava mal de homossexuais e se orgulhava de assinar a Playboy para seu filho desde pequeno, para que seguisse o que chamava de "caminho certo"."
"Lula ficara de fora, mas seria o nome mais pronunciado da noite. No início da madrugada, meia dúzia de garrafas de vinho derrubadas, Dirceu começaria a berrar: "O Lula é o maior atraso da esquerda brasileira!" Ante o espanto dos convidados, passou a enumerar seus motivos: "Ele não tem formação política de esquerda. Ele é oportunista, só se cerca de pessoas que pode controlar. O Lula tem resistência à esquerda tradicional, à esquerda que militou na luta armada". O jantar acabou em constrangimento."

"Moqueca de peixe, cerveja e cachaça dominaram a noite. Antes de ir embora, degustando mais uma dose, Lula desabafaria: "Cansei de rodar minha bolsinha esfarrapada por aí. Para ganhar eleição, vou precisar de aliança e de grana. Dei todo o poder para o Zé Dirceu arrumar isso. Falei: "Zé, articula e faz. Pode até contratar o Duda Mendonça. Não quero saber como você fez, só quero que a gente ganhe a Presidência.""

"FHC fazia um governo de sucesso na economia, com amplo apoio no Congresso e na sociedade. Modernizara o Estado brasileiro ao privatizar empresas estatais que funcionavam mal e que serviam de cabides de emprego para apadrinhados políticos. Criara as agências reguladoras e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acabava com os gastos desmedidos e impunes de governantes. O PT, desde o primeiro dia, fizera-lhe oposição ferrenha, negando-se a apoiar qualquer medida enviada pelo presidente ao Congresso."

"A CARTA AO POVO BRASILEIRO seria divulgada a 22 de junho de 2002. (...)
Foi a maior demonstração da metamorfose pela qual o PT passava para chegar ao poder. Dirceu, que se metamorfoseara em comandante Daniel, no argentino Hoffmann, no comerciante Carlos Henrique e no conquistador Pedro Caroço (suas outras identidades) era quem conduzia a conversão de um partido radical e intransigente em uma máquina eleitoral com o objetivo de conquistar o poder. Ele tinha plenos poderes naquela campanha. Ordenava despesas, comandava a arrecadação e dava a palavra final sobre cada assessor contratado pelo partido. O candidato era Lula, mas o chefe da máquina era Dirceu."
"Além da guinada política, havia uma transformação estética. A CARTA AO POVO BRASILEIRO foi lida por um Lula mais magro, com a barba aparada, voz menos raivosa e vestido com um terno feito por Ricardo Almeida, o mais renomado estilista brasileiro, que não cobrava menos de R$ 5 mil por um traje completo. O artífice dessa mudança era Duda Mendonça, o publicitário que Dirceu finalmente convencera o PT a contratar."

"Em 27 de junho, Dirceu entrou pela primeira vez na mansão de Sarney, no lago Sul, em Brasília. Em duas horas de conversa em torno de uma mesa repleta de queijos e de garrafas do tinto chileno Almaviva, conseguiria o apoio de Sarney e de outros dissidentes do PMDB, como o senador gaúcho Pedro Simon, o governador do Paraná Roberto Requião e o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia.(...)
Um mês antes das eleições, Dirceu pegou um jatinho no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, junto com o advogado Márcio Thomaz Bastos. Voaram até Salvador,  de onde um Omega preto blindado os levou a uma casa em um condomínio em Interlagos, no litoral norte baiano. Lá os esperava o ex-senador Antonio Carlos Magalhães. (...)
Mesmo em uma campanha acirrada, marcada pelos ataques de Serra ao "Lulinha paz e amor", Dirceu conseguiria manter um relação próxima e amistosa com FHC. As conversas telefônica eram semanais. E pelo menos quatro vezes se encontrariam pessoalmente no ano eleitoral."
"Lula, precisamos resolver o problema do PMDB. Sem eles, nossa vida no Congresso vai ser complicada. A gente tem que fazer como o Fernando Henrique e dar os dois ministérios de porteira fechada para eles" - falou Dirceu."

"Não sei não, Zé. tenho medo desse PMDB nos dar dor de cabeça. Não tem outro jeito de fazer maioria no Congresso?"- questionou Lula a respeito."
"No dia seguinte, o primeiro compromisso da agenda era um encontro com Valdemar Costa neto. Ao entrar na suíte, o presidente do PL entregou uma lista com 29 nomes do partido para cargos em ministérios. E cobrou, pela primeira vez, o atraso no pagamento dos R$ 10 milhões prometidos pelo apoio ao Lula. "Zé, meu dinheiro está vindo pingado, em conta-gotas" - reclamou. "Eu quero receber tudo de uma vez." Dirceu tentou acalmá-lo: " Calma que o Delúbio está providenciando dinheiro para te pagar. Ele vai arrumar o dinheiro e resolver tudo."

"Presidente, este aqui é o Marcos Valério, um publicitário lá de Minas que está ajudando a gente naquele negócio das dívidas do PT."
José Dirceu, ao apresentar Lula a Valério, em 14 de janeiro de 2003.
"Em 21 de janeiro, R$ 19 milhões cairiam na conta do PT, depositados pelo Banco Rural. No mesmo dia, Valério depositaria R$ 98.500 na conta da empresa Caso Comércio e Serviço Ltda., pertencente ao segurança pessoal de Lula, Freud Godoy. O dinheiro seria usado para cobrir despesas que o presidente tivera na posse, para transportar parentes e amigos a Brasília e hospedá-los em hotéis da cidade."
"No início do mês seguinte, Dirceu e Delúbio se reuniriam novamente, no Planalto, com Valério, dessa vez sem a presença de Lula, quando acertaram um novo e mais vultuoso empréstimo, de R$ 15 milhões. Em 20 de fevereiro, Valério voltou ao palácio acompanhado do presidente do BMG, Flávio Guimarães, que, três dias antes, emprestara R$ 2,4 milhões ao PT. O publicitário e o banqueiro insinuaram que, dependendo dos favores que recebessem, os empréstimos nem precisariam ser pagos." 

"Em 17 de setembro, Lula assinaria a medida provisória de número 130, que dava ao BMG a exclusividade, por três meses, na concessão de empréstimos consignados com descontos em folha de pagamento para servidores públicos federais. No período, o banco concedeu 1,4 milhão de empréstimos, somando R$ 3 bilhões - o que faria seu faturamento crescer 205%."

"De fato, havia dois lados de Dirceu. Se, no discurso, atacava PSDB e PFL, nos bastidores trabalhava para impedir que o PT instalasse uma CPI que investigasse a denúncia de que ACM mandara grampear os telefones de rivais políticos na Bahia. Em público, elogiava a condução da economia por Meirelles e Palocci. Em privado, atacava o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, condenando a alta taxa de juros e a manutenção do conservadorismo dos anos FHC."

"Em maio, o PT abriu processo contra três dissidentes: Heloísa Helena e os deputados Babá, do Pará e Luciana Genro, do Rio Grande do Sul. Eduardo Suplicy se oferecera para testemunha a favor de Heloísa. Dirceu, ao saber, saiu da Casa Civil a pé e foi ao gabinete do senador. Colocou o dedo em riste em seu rosto e o ameaçou. "Você será meu inimigo para o resto da vida se testemunhar a favor da Heloísa Helena no conselho de ética. Eu não deixo você se candidatar a mais nada enquanto mandar no PT."
Suplicy não testemunharia."

"Na política, trocara os velhos petistas pelos novos aliados do governo. Além dos fundadores do PSOL, Fernando Gabeira também deixaria o PT após se desentender com Dirceu. As divergências entre os dois começaram logo no primeiro mês de governo, quando autorizada a importação de pneus usados, causa que desagradava os ambientalistas, que tinham em Gabeira seu principal porta-voz. O lobby pela liberação dos pneus era comandado pelo empresário Francisco Simeão, dono da BS Colway e amigo de Dirceu. Simeão fizera doações à campanha presidencial de Lula, à candidatura de Zeca, filho de Dirceu, a deputado no Paraná, e franqueara o uso de seu jatinho pelo ministro e sua família nas viagens entre Paraná e Brasília. "Foi o primeiro exemplo concreto da comercialização das bandeiras que se tornou a prática do PT" - avalia Fernando Gabeira."

"Meses depois, haveria a discussão sobre a liberação da venda de alimentos transgênicos, à qual Fernando Gabeira e os ambientalistas também se opunham. Na véspera da decisão, Lula e Dirceu viajaram a Cuba e deixaram o problema para José Alencar. "Eles foram para Cuba cantar canções dos anos 1960 e deixaram o maior pepino do governo até então nas mãos do vice. Era muito descaso com a causa ambiental."
Coincidência ou não, a Monsanto, multinacional do ramo de sementes, alimentos e defensivos agrícolas, principal interessada na liberação dos transgênicos, também patrocinara candidaturas de petistas,
No meio de 2003, seriam divulgados dados oficiais que mostravam o aumento do desmatamento da Amazônia. Gabeira, então, começou a avisar que deixaria o PT."

"A briga que mais demandou energia de Dirceu não foi com a esquerda petista, tampouco com os ambientalistas, mas com Palocci. Os dois iniciaram o governo com a mesmo ideia fixa: suceder Lula em 2010."

"Em junho de 2003, Lula fez sua primeira nomeação: seguiu a sugestão de Palocci e escolheu Cezar Peluso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo para o Supremo Tribunal Federal.
A segunda indicação ao STF, no mesmo mês, foi praticamente unânime: o advogado sergipano Carlos Ayres Britto, fundado do PT.
Na terceira, Dirceu levaria a melhor. Fora um dos que convenceram Lula a nomear Joaquim Barbosa, o primeiro ministro negro da história do Supremo."

"Sílvio Pereira organizou uma festa para comemorar seus 42 anos. reservou a suíte presidencial do Grand Bittar Hotel, em Brasília, encomendou quinze garotas de programa a Jeanne Mary Corner e convidou catorze amigos, entre os quais Delúbio e Dirceu."

"Delúbio, por sua vez, começava a dar sinais exteriores de riqueza e a abandonar a discrição necessária a um tesoureiro que administrava um caixa dois que movimentaria mais de R$ 300 milhões. Comprou um Ômega blindado, viajou com a mulher para Nova York e Paris, e levantou um empréstimo de R$ 20 milhões no Banco do Brasil para montar uma rede de computadores interligando os 7 mil diretórios do PT. Duda Mendonça passara a circular por Brasília cobrando uma dívida de R$ 15 milhões da campanha presidencial."

"Dirceu relatou que Ângela Saragoça (primeira mulher) andava reclamando da falta de dinheiro e exigindo que aumentasse a pensão que pagava a Joana, sua filha mais velha. O tesoureiro disse que daria um jeito e procurou Valério e os seus amigos banqueiros. Em novembro, o BMG contrataria Ângela para trabalhar como secretária. Jamais foi vista dando expediente no banco, mas recebia R$ 10 mil em sua conta mensalmente. No mês seguinte, o Rural emprestaria R$ 42 mil para a ex-mulher de Dirceu comprar um apartamento em São Paulo."

"Seu presente chegou. Está na suíte presidencial do Naoum. É só chegar lá e bater na porta." De um ministro para Dirceu, avisando que uma modelo contratada para passar a noite com ele já estava em Brasília.
"A novidade é uma garota que participou do Big Brother Brasil e posou nua para uma revista. É imperdível" - respondeu a agenciadora. O preço era salgado R$ 30 mil, livres de despesas, por uma noite de programa. Dinheiro, contudo não era problema. Após conferir a disponibilidade do colega, acertou o negócio para a noite seguinte. Na saída, enquanto esperava seu motorista, Dirceu telefonou ao ministro para agradecer: "Cara, você é maluco! Que presente foi esse? Foi a melhor coisa que eu ganhei na minha vida!"

"Às quatro da tarde de 25 de fevereiro, Miro Teixeira foi reclamar a Lula que, em função da saída de Waldomiro, os deputados entraram em polvorosa com a falta de dinheiro. Na semana anterior, recebera várias cobranças. Numa delas, na manhã de 17 de fevereiro, fora pressionado por uma comitiva formada pelos deputados Valdemar Costa neto (PL-SP), Sandro Mabel (PL-GO) e Pedro Henry (PP- MT). Queriam saber a quem deveriam recorrer para receber a mesada, ou o "mensalão" - termo usado por Valdemar. "Presidente, eu fui nomeado para ser líder do governo, não para comprar deputado" - reclamou Miro. Lula demonstrou surpresa, disse que nunca ouvira falar naquilo e prometeu encarregar Dirceu de apurar a denúncia. Em 31 de março, Miro voltaria ao palácio e, como se nada tivesse sido feito, entregaria seu cargo. Em 6 de abril, foi substituído pelo deputado professor Luizinho (PT - SP).
"No caminho, Marconi Perillo (Governador de Goiás) faria uma grave denúncia: o governo estava pagando a deputados para que trocassem de partido e dando uma mesada para que votassem de acordo com os interesses do Palácio do Planalto. E ilustraria a acusação com dois casos concretos. A deputada federal Professora Raquel Teixeira, do PSDB, recusara uma proposta para se filiar ao PL em que receberia R$ 1 milhão à vista e uma mesada de R$ 30 mil. O convite fora feito pelo deputado Sandro Mabel, que dizia ter o aval de Dirceu. O outro caso era o do deputado Enio Tatico, que trocara o PSC pelo PL após aceitar os argumentos de Mabel. Lula, assim como fizera com Miro, prometeu apurar, mas nada fez."

"O alvo privado de sua raiva (dele, Dirceu), porém, era principalmente Lula, a quem não poupava nas conversas com os mais próximos: "É conservador. Esse pessoal do sindicalismo do ABC sempre teve casa, carro, cada coisa. Quando fala em família, fico me controlando para não rir. Já disse para o presidente que fiz a minha parte. Já tive três famílias" - afirmou em um jantar na casa de João Paulo."
"No início de dezembro, o deputado José Eduardo Martins Cardozo, do PT de São Paulo, finalmente conseguiria uma audiência reservada com Lula, que tentava havia mais de dois meses. Assim que entrou no gabinete, foi direto: "O Paulo Rocha está comprando deputados por R$ 30 mil por mês. Essa rebelião é porque a fonte secou, os pagamentos não estão mais saindo. O senhor está sabendo disso?"

"O presidente estava encafifado com a tal mesada a deputados desde a denúncia de Marconi Perillo. Mas decerto não se surpreendia. Em seu único mandato como deputado, entre 1987 e 1990, julgara o Legislativo um antro de corruptos - e definiria o Congresso como um lugar com "trezentos picaretas", frase que viraria título de música dos Paralamas do Sucesso. Em tom jocoso, defendia que a maneira mais fácil de controlar o Legislativo era com dinheiro."

"Lula, contudo, estava decidido a destruir a estrutura erguida pelo seu Chefe da casa Civil. Ainda mais depois que, em seu primeiro dia de trabalho em 2005, 5 de janeiro, uma quarta-feira, concedeu uma audiência a Roberto Jefferson, ocasião em que ouviria pela primeira vez: "Presidente, o mensalão vai acabar com o seu governo." Lula tentou de fingir de desentendido, mas Jefferson detalhou o esquema, que, segundo ele, envolvia mais de cem deputados e era comandado por Dirceu e Delúbio. O presidente, sem ter o que dizer, mais uma vez prometeu apurar. Em seguida, chamou Palocci e Aldo para uma reunião, relatou o problema e pediu conselhos .Ouviu que o melhor era acabar com o mensalão antes que o mensalão acabasse com o seu governo. Para isso, precisaria impedir a ascensão de Virgílio e Paulo Rocha."

"Virgílio entendeu que fora rifado, mas se recusaria a retirar a candidatura. E passaria a atacar Lula. Em um almoço com dois jornalistas da Veja, no restaurante La Torreta, em Brasília, pediu ao maître uma degustação às cegas de cachaças. Acertou a origem das cinco que lhe serviram. E tripudiou: "O Lula diz que eu não posso ser candidato porque sou pinguço. Eu não sou pinguço, sou cachaceiro. É diferente, eu sei apreciar uma boa cachaça. O Lula já foi cachaceiro, mas agora que é importante só bebe uísque."
"Severino Cavalcanti (eleito Presidente da Câmara) era chamado de rei do "baixo clero", título que designava um grupo de deputados sem expressão mais preocupados com as benesses e mordomias do cargo, como viagens internacionais e contratação de assessores. Apesar de silencioso e pouco articulado politicamente, esse grupo era majoritário, e só faltava que alguém assumisse explicitamente sua defesa, como fizera Severino, para conquistar seus votos. Católico fervoroso, rejeitava o aborto e tinha aversão aos homossexuais. Baixinho, gordinho e careca, era uma imagem caricata do conservadorismo e do atraso na política. No cargo, fez o que se esperava: deu aumento aos colegas, colocou mais assessores de confiança nos gabinetes e quis trocar a frota de carros que atendia aos deputados. O fisiologismo que dominara informalmente o relacionamento entro o Executivo e o Legislativo nos dois primeiros anos do governo Lula agora era oficial."

"O presidente passou a convidar líderes de partidos, sem a presença de Dirceu, para audiências em sue gabinete.Tentava encontrar uma saída para a articulação política, desacreditada desde a vitória de Severino. Em uma dessa reuniões, Roberto Jefferson foi explícito: como já avisara no ano anterior, a questão problemática original era o mensalão. "Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite em sua cadeira. Ele continua dando mensalão aos deputados. O senhor precisa resolver isso" - insistiria o presidente do PTB no final de março. Não haveria tempo."

"Zé Dirceu, se você não sair daqui rápido você vai fazer réu um homem inocente, que é o presidente Lula. Rápido, sai daí rápido, Zé!"

Roberto Jefferson, em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, em 14 de junho de 2005.
"Roberto Jefferson, ao deixar o banheiro, recebeu-os em sua sala e, sem mandá-los sentar, desfiou em pé e aos berros um rosário de queixas. Reclamou que fora abandonado pelo governo. Disse que Aldo, Dirceu e principalmente Lula sabiam de tudo que o PTB fazia. E que, por isso, não aceitaria calado o discurso de José Genoíno, presidente do PT, segundo quem o governo precisava "requalificar" sua base de apoio. Para concluir, com o dedo no rosto de Dirceu, ameaçaria: "na cadeira em que eu sentar na CPI também vão sentar você, o Delúbio e o Silvinho Pereira."

"Como a oposição avançava na captação de apoios, logo soaria o alarme no governo. Lula percebera que não apenas Dirceu seria colocado no cadafalso em uma CPI, mas seu próprio mandato e a possibilidade de reeleição. Então, determinou que a investigação fosse enterrada a todo custo. Em 23 de maio, embarcou para a Coreia do Sul e deixou ordem de abrir os cofres para que os deputados desistissem da CPI. Apenas no dia da viagem foram liberados mais de R$ 200 milhões a parlamentares."

"Dirceu apelaria até a seus inimigos declarados, como Anthony Garotinho, a que telefonara - seis vezes em dois dias - para pedir que recuasse: "O ministro me suplicava" - ironizaria o ex-governador do Rio de janeiro.
A manobra fracassou. (...) Dirceu, após a segunda dose, desabafaria: "essa CPI é o começo do meu fim."
"Dirceu chegou a Madri no inicio da manhã de sábado. Passaria o dia no hotel, descansando e tentando esfriar a cabeça, que andava a mil. Sairia apenas para almoçar. Além dos problemas políticos, sua vida estava de ponta-cabeça. Ao casamento em crise com Maria Rita somaram-se as cobranças cada vez maiores de Evanise para que se separasse e passasse a viver com ela, e, nas últimas semanas, um caso ardente com uma empresária paulista, que já fora casada com uma amigo seu e que namorara outro. Descansar era quase impossível com três mulheres na cabeça."

"A confirmação só viria na manhã seguinte, com a chegada às bancas da histórica edição de 6 de junho de 2005 da Folha de São Paulo, com a seguinte manchete: "PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson." Na entrevista de três páginas, concedida à jornalista Renata Lo Prete na tarde anterior, em seu apartamento, o presidente do PTB detalhava como o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava um "mensalão" de R$ 30 mil a parlamentares do PP e do PL em troca de apoio no Congresso: "É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo, Quem é pago não pensa." Era a primeira vez que o termo mensalão, corrente no Congresso e no Planalto, ganhava conhecimento público. A partir dali, batizaria a crise e casos semelhantes de corrupção."

“Toda a pressão que recebi nesse governo, como presidente do PTB, por dinheiro, foi em função desse mensalão, que contaminou a base parlamentar." Omitira, porém o acordo de R$ 10 milhões para que seu partido apoiasse o PT na eleição do ano anterior. "Eu vi que o governo agiu para isolar o PTB. Vai ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. A Veja falou que sou o homem-bomba E o que você faz com a bomba? Ou desativa ou faz explodir. Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão e o PTB está fiando isolado para ser explodido."
Roberto Jefferson

"Com sua explosiva entrevista, Jefferson imediatamente provocaria a maior crise política em Brasília desde o governo Collor. Até os petistas mais otimistas perceberam que o governo Lula estava na berlinda."

"A crise era política e institucional. Ministros e parlamentares, como Ciro Gomes, Walfrido dos Mares Guia e Aloizio Mercadante haviam confirmado as denúncias de Jefferson. Acuado, o PT tentava blindar Delúbio Soares, que se escondera para não ser encontrado por jornalistas. O que sobrara do PT apoiava a CPI e se transferia para o PSOL. Lula, para tentar conter a hemorragia, falou em "cortar na própria carne" e anunciou a demissão de diretores do IRB e dos Correios, em discurso no 4º Fórum Global de Combate à Corrupção. Impossível maior ironia."

"Esse dinheiro chega à Brasília, pelo que sei, em malas. Tem um grande operador que trabalha junto com Delúbio, chamado Marcos Valério, que é um publicitário de Belo Horizonte. É ele quem faz a distribuição de recursos" - declarou Jefferson."

Ao final, questionado se tinha medo de morrer por ter denunciado o mensalão, declararia: "Não temo, não. Depois do que eu já disse, se fizerem alguma coisa comigo, cai a república. Creio em Deus. Rezo. E estou seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira. Tenho certeza de que as coisas serão diferentes a partir de agora."
"O ministro (Dirceu) estava em São Paulo, onde acompanhara a filha Camila, na véspera, à festa junina da escola. No meio do arraial, o ministro recebeu um correio elegante. Ao abrir o envelope, a desagradável surpresa: "Vá para a prisão, seu corrupto." Aquilo o chocara. Comentaria mais tarde com Maria Rita que nunca se sentira tão humilhado."

"Lula estava decidido a demiti-lo e, pela primeira vez, teve coragem de verbalizar a opinião: "Isso não vai parar se você não sair." O presidente defendia um afastamento temporário, que todos na sala tinham certeza de que seria definitivo. Dirceu rebateria os argumentos: "Se eu sair vai ser uma confissão de culpa minha e do governo. Aí sim que o governo vai sangrar. E todos irão pra cima de você." E recusaria a sugestão de licença. O presidente ficou contrariado, mas não tinha escolha. O dano seria menor com um Dirceu enfraquecido ao seu lado do que com ele como inimigo, ajudando a desestabilizar o governo."
"Na segunda-feira, 13 de junho, uma nova personagem surgiria no roteiro de filme de mistério: Uma secretária. Fernanda Karina Somaggio trabalhara na SMP&B Comunicação, de Marcos Valério por dois anos e saíra de lá brigada com o chefe e com cópias de suas agendas, que continham os telefones das principais autoridades do PT e do governo e as datas dos seus encontros."

"Nesse clima efervescente, Jefferson chegou ao Conselho de Ética da Câmara na tarde de 14 de junho, dia do seu 52º aniversário.
Ele repetiu tudo o que dissera ao jornal e ainda aprofundou as denuncias. Confirmou ter feito um acordo de R$ 10 milhões com o PT, pela eleição do ano anterior, dos quais só recebera R$ 4 milhões. Revelou que o dinheiro que o PT usava para pagar deputados era lavado por doleiros e ainda detalhou os cargos utilizados por PP e PL para engordar seus cofres. E repetiu a historia de que Sandro Mabel, do PL de Goiás, tentara comprar dois deputados."

"Naquela noite, em conversa com Márcio Thomaz Bastos e Gilberto Carvalho, Lula chorou e, pela primeira vez, colocou em dúvida a possibilidade de disputar a reeleição: "E agora, como é que fica o meu governo? Eu não sou Collor, não sou Fernando Henrique. Não vou sujar minha biografia por causa de uma reeleição." Em seguida, declararia o nome de seu candidato alternativo: "Se eu não disputar, o candidato vai ser o Palocci."

"Presidente e ministro da Casa Civil se encontraram pouco depois das oito da manhã de 15 de junho, na Granja do Torto. Caminharam juntos e foram tomar o café da manhã. Lula iria direto ao ponto: "Se você não sair, vai cair todo mundo. O governo não acaba se eu te mantiver na Casa Civil. Dirceu concordava. Disse que entregaria sua carta de demissão. Antes de ir embora, porém, fez um último pedido: "Só não queria que o Palocci fosse para o meu lugar. Ele faria uma caça às bruxas na casa Civil que não seria bom pra ninguém." Lula aceitou a condição. Mais tarde, no Palácio do Planalto,os dois desabafariam a diferentes interlocutores. "Não gosto de demitir ninguém, mas era uma questão de sobrevivência. Era ele ou eu. " - comentou o presidente. "Achei que ele fosse pelo menos me agradecer tudo que eu fiz. Por isso que eu sempre digo que o Lula não tem amigos." - reclamou Dirceu."

"Sua primeira e única passagem pelo poder encerrava-se trinta meses após chegar à Casa Civil como o superministro de Lula. Acompanhando o réquiem do ministro pela TV, Jefferson gargalhava."
"Em 21 de junho, Dirceu voltaria à Casa Civil para a posse de Dilma Rousseff, ex-ministra das Minas e Energia. A escolha do nome fora surpreendente, mas agradaria a Dirceu, que chegara a sugeri-la a Lula quando pediu que Palocci não fosse para o cargo. Ex-guerrilheira, presa e torturada pelo regime militar, Dilma era novata no PT, partido ao qual se filiara em 2001, após deixar o PDT. Considerada severa e enérgica, tivera uma boa relação política com a Casa Civil, mas não tinha convívio social com o ministro.
Ela só chegou ao governo, aliás, porque Lula não honrara o acordo firmado por Dirceu com o PMDB - o nome já escolhido para Minas e Energia era o do senador Pedro Simon."

"Os dirigentes do PT passariam a cair como peças de dominó. Sílvio Pereira foi o primeiro, pedindo licença da secretaria de organização. Em seguida, Delúbio deixou a tesouraria. Genoino resistiria alguns dias a mais, já que jogava a culpa no então tesoureiro ao dizer que assinara o contrato de empréstimo sem ler. Mas acabaria deixando a presidência do partido após um assessor de seu irmão, o deputado estadual cearense José Guimarães, ser preso ao tentar embarcar para Fortaleza - no aeroporto de Congonhas - com US$ 100 mil escondidos na cueca."

"Dirceu reassumiu seu mandato na Câmara com um discurso de 35 minutos, ao longo dos quais atacaria o legado de Fernando Henrique Cardoso, exaltaria as realizações do governo Lula e revelaria o sonho de governar São Paulo. Os petistas na galeria aplaudiam e gritavam: "O Dirceu é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo." Enquanto isso, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), militar reformado e símbolo do conservadorismo no Legislativo, bradava: "Terrorista, terrorista!" Bolsonaro ganhou a companhia de Onix Lorenzoni, do PFL gaúcho, Alberto Fraga,deputado sem partido e policial civil do Distrito Federal, e Babá, que se filiara ao PSOL após ser expulso do PT no ano anterior. Os quatro faziam gestos com as mãos simbolizando roubo, mostravam notas de dinheiro, gritavam "mensaleiros" e carregavam um saco preto escrito "mensalão do Lullão". A sessão acabaria em briga e Dirceu encerraria seu discurso enquanto deputados trocavam sopapos."

"O presidente tomaria, então, uma medida mais radical, que demonstrou como a situação o preocupava. Pediu que os ministros Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos procurassem os líderes da oposição no Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e José Agripino (PFL-RN), e propusessem um acordo: Lula abriria mão da reeleição caso a oposição desistisse de propor seu impeachment." 

"Na mesma época em que tentava remontar seu governo, Lula e o PT tiveram de agir para conter Marcos Valério. "Eu vou estourar tudo." Contou que faria uma delação premiada, revelando os segredos do mensalão à Justiça em troca de redução de pena. "Vocês vão se ferrar. Avisa ao barbudo que tenho bala contra ele." O barbudo, no caso, era o presidente Lula."

"Valério queria a garantia de que não seria encarcerado e o compromisso de obter um dinheiro graúdo, intermediando o fim da interminável liquidação do banco Econômico, que já durava duas décadas. Achava que poderia ficar com 20º dos R$ 1 bilhão que o banqueiro baiano Ângelo Calmon de Sá dizia ter a receber do governo. Apavorado, João Paulo procurou Dirceu e Delúbio, ainda na manhã de sábado. "O cara ficou louco, vai explodir" - gritava pelo telefone ao ex-ministro, que estava em São Paulo."

"Lula, imediatamente, convocou Márcio Thomaz Bastos e Antonio Palocci para uma reunião ainda na manhã de sábado. No caminho à granja do Torto, Thomaz Bastos telefonaria para Marcelo Leonardo, sinalizando que o governo cederia às exigências e pedindo que acalmasse seu cliente. O Ministro da Justiça, na reunião do Torto, esboçara a tese a ser utilizada pelo governo dali em diante: houvera apenas um crime eleitoral, o financiamento ilegal por meio de caixa dois. Esse delito tem pena máxima de três anos de prisão, que pode ser substituída por prestação de serviços."

"Na mesma noite, Duda Mendonça foi ao palácio para fazer um treinamento com Lula sobre o que deveria falar em entrevistas sobre o mensalão."

"Dois dias depois,Valério pousava em Brasília para depor ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, o que ocorreria na manhã seguinte. Na noite em que chegou, foi a um jantar na casa da empresária Eliane Cedrola, onde encontraria Paulo Okamotto, petista histórico, ex-tesoureiro de campanhas de Lula e presidente do Sebrae. Okamotto, então, chamou-o em um canto e, segundo relato do publicitário, ameaçou-o: "Tem gente no PT que acha que a gente devia matar você. Ou você se comporta ou você morre." A ameaça reforçaria o plano combinado, e Valério contaria versão do caixa dois em seu depoimento. No dia seguinte, Delúbio fez o mesmo."

"E Lula, no domingo, daria uma entrevista exclusiva ao Fantástico, em Paris, onde participava de uma reunião de cúpula com a União Europeia, e corroboraria a tese do caixa dois, subentendendo uma crítica maior ao sistema eleitoral do país,e portanto, aos demais partidos: "O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente." Lula culpava a antiga cúpula do PT e eximia o governo de participação nas fraudes. "Eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo. O PT tem na ética um marca extraordinária. Não é por causa do erro de um dirigente que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção."

"O otimismo não duraria dois dias. A quebra de sigilo das operações de Valério no Banco Rural, que era mantida em sigilo na CPI, vazou, revelando uma lista de deputados,parentes e assessores que teriam se beneficiado do mensalão."

"O Bob Marques, seu assessor, está na lista do Banco Rural. Sacou R$ 50 mil." Dirceu surtou. Dando murros na mesa, disse se tratar de homônimo. "Não é homônimo nada. Eu já conferi todos os documentos. É o seu Bob mesmo." - confirmaria Delcídio. O ex-ministro, então,fez-lhe uma proposta: engavetaria a investigação sobre Marques e, para acalmar a oposição, também deixaria de investigar o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, ouro beneficiário do valerioduto. "Isso é impossível. Não dá pra segurar." Dirceu, então, expulsou o presidente da CPI que o investigava de casa: "Você é um filho da puta de um tucano infiltrado no PT."

"Para Lula, o melhor caminho para abreviar a crise seria a cassação ou a renúncia de seu ex-ministro. Sabendo da opinião do presidente, ele contra-atacou. E passou a espalhar para políticos e jornalistas amigos que Lula esteve reunido com o publicitário Marcos Valério em pelo menos dias situações: além, da conversa de três minutos em pé, no gabinete, no início do mandato, houvera um encontro formal na Granja do Torto, para agradecer a ajuda que o publicitário dava ao PT. A turbulenta relação entre Lula e Dirceu alcançara seu momento mais tenso."

"Campos Machado pediu que se sentasse, porque tinha uma proposta a lhe fazer. " Eu fechei um acordo com o PT para salvar todo mundo. Você e Zé Dirceu não serão cassados. Basta você ficar quieto, parar de jogar merda no ventilador." - falou. Jefferson recusaria de pronto, ofendido: "Meu irmão, pela porta dos fundos eu não saio, não. Não sou bandido. Vou cair atirando."

"Foram dias de dúvida, angústia e ansiedade. Para fugir do assédio da imprensa e de políticos, mudara-se para o apartamento da deputada Neyde Aparecida, do PT de Goiás, em um prédio próximo ao seu. Só saía de lá para ir à Câmara, sempre pela garagem, para que o esconderijo não fosse descoberto. Um motoboy contratado por seu gabinete levava-lhe comida do Feitiço Mineiro, do Piantella ou do Francisco, restaurante da Academia de Tênis que tinha como carro-chefe o bacalhau grelhado. Seus convidados levavam vinhos e uísques para as longas discussões, que varavam as madrugadas."

Nesse clima, o publicitário Duda Mendonça se apresentou voluntariamente para depor à CPI em 11 de agosto. Sem rodeios, faria uma confissão estarrecedora: admitiu ter recebido ilegalmente, em 2003, R$ 11,9 milhões de Marcos Valério - parte dos R$ 15,5 milhões que o PT lhe devia em decorrência da campanha de Lula a presidente e de outros quatro candidatos do partido. O Pagamento fora feito em um paraíso fiscal, nas Bahamas, em uma conta aberta a pedido de Valério. Também a pedido, não emitira nota fiscal: "O dinheiro era claramente de caixa dois, a gente não é bobo. Nós sabíamos, mas não tínhamos outra opção, queríamos receber" - declarou Duda, com lágrimas nos olhos."

"Era a primeira confissão pública de alguém envolvido diretamente na campanha de Lula sobre o funcionamento do valerioduto. Parlamentares do PT choravam assistindo ao depoimento. "Entramos em parafuso" - disse o deputado Ivan Valente. "Estou perplexo e indignado" - desabafou o senador Aloízio Mercadante."

" Lula, vivendo a maior crise de seu governo e temendo pelo seu futuro, teve que reorganizar a casa. Montou um núcleo de políticos mais próximos, que se reunia todo dia, às nove da manhã, para discutir o noticiário, estudar a melhor reação às últimas denúncias e traçar as estratégias de sobrevivência. O grupo era formado pelos ministros Márcio Thomaz Bastos, Dilma Rousseff, Antonio Palocci, Gilberto Carvalho, Jaques Wagner e Ciro Gomes, e pelos deputados Eduardo Campos e Eunício Oliveira, que deixaram o ministério para ajudar o governo no Congresso."

"`À parte questões pontuais, sairiam desses encontros duas orientações seguidas à risca pelo presidente: descolar-se de Dirceu e do mensalão e lançar projetos de impacto para os mais pobres, com os quais o governo ainda tinha alguma popularidade."

"Lula demonizou o Dirceu, descolou-se do mensalão e abraçou-se aos pobres para tentar virar herói" - avaliaria um dos integrantes do grupo, para em seguida complementar: "Foi essa a estratégia que definimos. E deu certo."

"Dirceu, mesmo sabendo da disposição do governo em abandoná-lo, não desistiu. Sua primeira batalha seria para demonstrar a força que ainda tinha no PT. Trabalhou para inviabilizar a eleição de Tarso Genro à presidência do partido, em disputa que aconteceria em outubro, bem no meio de seu processo de cassação. Tarso, que estava no cargo como interino,tanto foi atacado e boicotado pelo rival que desistiu."
"Lula ainda considerava que a cassação do velho aliado era o melhor para o governo. Mas já não tinha certeza de que a desgraça de Dirceu representaria o fim da crise, pois as denúncias também atingiam Antonio Palocci, acusado de receber propinas de fornecedoras da prefeitura de Ribeirão Preto quando comandara a cidade. Os problemas, naquele final de 2005, não pareciam ter fim. A reeleição era tratada por todos, até dentro do Palácio do Planalto, como uma improbabilidade."

"Dirceu deixava o plenário da Câmara quando foi atacado, com duas bengaladas, pelo escritor de livros infantojuvenis Yves Hublet, de 67 anos, que visitava o Congresso. Enquanto atacava, Hublet gritava "Fristón! Fristón!", em referência a um personagem de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes."

"Dirceu voltou para casa e tomou um vinho com Maria Rita, e então foi rascunhar o discurso que faria no dia seguinte. No auge do processo, reaproximara-se de Maria Rita e se afastara um pouco de Eva. O casamento estava acabado, mas ainda havia muita amizade e cumplicidade entre os dois, e Dirceu sempre a tivera como sua principal conselheira nos momentos cruciais do processo de cassação. Já Evanise, mais sanguínea, impedia que se concentrasse em sua defesa - e ainda havia possibilidade de escândalo adicional se revelado o caso com uma funcionária da presidência.
A terceira mulher com quem se relacionava na época, a empresária de São Paulo, continuava apaixonada. Em um jantar no início de novembro em sua casa, com políticos e empresários, declarou-se: "Eu amo esse homem." E ainda prometera: "Se você perder o mandato e ficar em emprego, pode deixar que eu te sustento, Conte sempre comigo."

"Todos que o visitavam prometiam apoio, mas desdenhava: "Se eu confiasse na promessa de políticos até ficaria com esperança de me salvar." (Dirceu)
"Tomou um banho, vestiu um terno preto e foi para o Congresso. Na tribuna da Câmara falou por 32 minutos, mas acabaria se arrependendo do seu desempenho. Achou que se repetira muito e que fizera uma defesa muito longa do governo. E que não fora eficiente ao negar as sete acusações que pesavam contra si no relatório em discussão: comandar o pagamento do mensalão, participar da farsa dos empréstimos bancários ao PT, traficar influência para beneficiar sua ex-mulher, ajudar um banco com crédito consignado, contemplar outro com investimentos de fundos de pensão, defender interesses patrocinados por Marcos Valério e ter um assessor na lista de beneficiados com dinheiro do valerioduto."

"Quando o resultado final foi anunciado por Aldo Rebelo - 293 votos pela cassação, 192 contra, oito abstenções, um em branco e outro nulo - Dirceu voltou-se a um amigo, com quem tomava uísque e desabafou: "Não recebi nenhum telefonema do Lula, ele não me mandou nem ao menos um recado. Ninguém do governo me procurou. Eles têm muita confiança no meu silêncio. Dá vontade de começar a contar um pouco do que eu sei."

"2006 é um ano que começa de portas abertas. Para mim e para você, Zé Dirceu." De Paulo Coelho para Dirceu, na Igreja de Notre-Dame de Bétharram, Na França, na tarde de 31 de dezembro de 2005.
"José Dirceu estava extasiado ante aquele jantar tão suntuoso. pela mesa redonda de madeira desfilavam ravióli de foie gras, coquiles Saint-Jacques com trufas e endívias caramelizadas e lombo de javali com risoto de aspargos. Não havia carta de vinhos. Os convidados tinham as taças abastecidas sem intervalo com os melhores espumantes, brancos e tintos da região. Dirceu estava sentado ao lado do escritor Paulo Coelho, de quem nunca lera um livro, na maior das mesas do Le Petit Gourmand, restaurante exclusivo na cidadezinha de Tarbes, incrustada nas pedras aos pés dos Montes Pirineus, na última noite de 2005. Um mês após ser cassado na Câmara, como chefe do mensalão, começava a experimentar os prazeres que os amigos podiam lhe proporcionar. Quatro semanas após a cassação, embarcara com o escritor Fernando Morais rumo a Paris."

"Dirceu desgarrou-se de Coelho e subiu sozinho, a passos rápidos, o caminho de um quilômetro ladeira acima, parando apenas nas treze estações demarcadas por capelas que representavam o calvários de Jesus Cristo. Ao final, em frente a um cemitérios, aquele homem, agnóstico desde os 13 anos, ajoelharia e rezaria: "Deus não existe, né? Mas vai que exista..." - falou, para provocar os outros participantes da romaria, que chegariam ofegantes minutos depois."

"Em seguida, contaria que a estação da Via Crucis de que mais gostara foi a da traição de Judas. "Eu vi o Judas lá" - falou. "E como era ele, barbudo? Chamava-se Judas Lula da Silva?" - ironizou o escritor. Dirceu soltou uma gargalhada, mas nada respondeu."

"Sua influência era inquestionável. Contratá-lo como consultor abria portas para empresas interessadas em negócios com o governo brasileiro e de outros países nos quais tinha amigos no poder, como Cuba, Venezuela, Bolívia Portugal, México, Angola e Moçambique. Ou, pelo menos, impedira que essas portas fossem fechadas. "Porque no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham comigo estão satisfeitas" - gabava-se Dirceu.
"Logo no início de sua nova atividade, fecharia contrato com Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo, dono no Brasil da Embratel e da Claro. (...) O empresário apresentou um plano de investimento no Brasil de R$ 2 bilhões e pediu ajuda do governo para modificar a legislação, que dificultava a atação de empresas estrangeiras no mercado brasileiro de telecomunicações. A legislação acabaria sendo flexibilizada pelo governo dois anos mais tarde. Seria o contrato mais longo e rentável de Dirceu que, ao longo de seis anos, faturou R$ 100 mil por mês, mais bônus por produtividade. Funcionários do escritório avaliam que o acordo com Slim rendera pelo menos R$ 10 milhões ao ex-ministro."
"O terceiro cliente fixo de Dirceu, no início de sua carreira de consultor, foi a Ongoing, empresa de comunicação portuguesa que buscava ajuda para se instalar no Brasil. (...) No início da sociedade o brasileiro tentaria convencer a TAP, empresa aérea portuguesa, a comprar a quase falida Varig, mas não obteve sucesso. Em seguida, passou a usar a estrutura dos sócios portugueses para intermediar negócios de empresas brasileiras em Portugal, como a compra da cimenteira portuguesa Cimpor pela Votorantim e pela Camargo Corrêa, em 2010, tratativa que lhe renderia uma comissão de cerca de R$ 1 milhão."
"A Ongoing também dera o primeiro emprego a Evanise Santos depois que deixou o governo, em 2006. Ela foi contratada como diretora de relações institucionais do "Brasil Econômico". O casal recebia R$ 120 mil fixos do grupo português - R$ 40 mil para Eva e R$ 80 mil para Dirceu. Nos seis anos e meio de contrato com os portugueses, o ex-ministro faturaria ao menos R$ 6 milhões, fora eventuais bonificações, como o milhão da venda da cimenteira."

"De volta ao trabalho, Dirceu fecharia um acordo com seu quarto cliente fixo, a Vale, terceira maior empresa privada do Brasil - embora o termo privado seja questionável, já que a maior acionista da mineradora é a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. (...) Em duas ocasiões, Dirceu seria chamado à sede da Vale, no centro do Rio de Janeiro, para reuniões com Agnelli e sua principal assessora Carla Grasso. A primeira, em outubro de 2006, no inicio da campanha do segundo turno da eleição presidencial entre Lula e Geraldo Alckmin, quando a revisão da privatização da Vale virara tema de debates. Dirceu garantiu que era apenas discurso eleitoral que não teria consequência em um segundo governo Lula. Estava certo. Quase quatro anos depois, em agosto de 2010, voltaria ao mesmo local, desta vez para explicar as menções à venda da Vale nas primeiras propagandas de Dilma Rousseff, candidata do PT à presidência, repetiam a estratégia da eleição anterior. "É apenas discurso para agradar ao público interno, para o PT ficar feliz e abraçar a campanha da Dilma, que é novata no partido" - assegurou."

"Logo no início de seu segundo mandato, em 19 de janeiro de 2006, uma quinta-feira, o presidente chamou Dirceu para um café da manhã reservado no Palácio da Alvorada. Então, fez dois pedidos: que desistisse do projeto do livro e que restringisse sua atuação como lobista a empresa privadas, sem relações diretas com o governo. A cautela, argumentava Lula, evitaria escândalos para os dois lados."
"Depois de conversar com o presidente, Dirceu voltou para São Paulo e se reuniu, em seu escritório, com Mário Rosa. Estava de péssimo humor e reclamou do ex-chefe: "O Lula quer me proibir de ganhar dinheiro." Sempre irônico, Rosa provocou: "O Lula tem razão. Imagina você com dinheiro como iria mandar mais que ele no PT." Dirceu, a sério retrucou: "E eu preciso de dinheiro para mandar mais do que o Lula no PT?"

"No inicio de maio de 2006, Dirceu recebeu em casa um pacote Pelos Correios. Era um CD, com um depoimento de Marcos Valério. Com qualidade profissional, o vídeo fora gravado por um experiente cinegrafista de televisão e trazia a versão do publicitário, em detalhes, sobre o esquema que montou para financiar o PT na compra de deputados partidos. No final da gravação, dizia que outras três cópias do vídeo estavam no cofre de um banco. Se fosse encontrado morto em circunstâncias misteriosas ou desaparecesse sem dar notícias por 24 horas, sua mulher, Renilda, deveria enviá-las aos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo. Dirceu comentou sobre o desagradável presente a poucos amigos mais chegados, aos quais disse ter certeza de que Valério não blefava."

"No Supremo, o relator escolhido foi Joaquim Barbosa, o primeiro negro a ocupar uma cadeira na Corte, grato a Dirceu pelo apoio à indicação e por um conselho que lhe dera em março de 2003. Lula estava decidido a nomeá-lo, mas se irritou com as entrevistas que passara a dar como se já fosse ministro. "Esse cara está falando demais, estou até pensando em dar uma rasteira nele" - desabafou o presidente ao chefe da Casa Civil. Dirceu, imediatamente, telefonou para Kakay: "O Joaquim já é o escolhido, mas ele anda falando demais e irritando o Lula. Fala pra ele ir pra Paracatu e esperar quieto a nomeação." Barbosa foi para casa de sua mãe, no interior de Minas Gerais, e lá permaneceu até receber o chamado oficial do presidente."

"Um mês antes, o presidente perdera seu mais influente ministro, Antonio Palocci Filho, da Fazenda, um dos principais responsáveis pelo sucesso econômico do governo. Palocci começou a cair com o depoimento do caseiro Francenildo Costa, que revelaria que o ministro frequentava uma casa no Lago Sul onde lobistas, acompanhados de garotas de programa, discutiam negociatas com o governo. Palocci, por sua vez, desmentiria o caseiro e disseminaria a versão de que ele recebera dinheiro da oposição para incriminá-lo."

"Lula, desde o auge do mensalão, vinha recuperando gradativamente sua popularidade. Aconselhado pelos ministros mais próximos, como Dilma Rousseff e Gilberto Carvalho, e guiado por seu incomparável instinto político, deixara de lado as classes mais altas, que o rejeitavam, e se voltara para as camadas mais pobres, que representam o grosso do eleitorado. Montou um tripé baseado em programas sociais, aumento real do salário mínimo e crédito farto, que faria a economia voltar a crescer e o consumo disparar, praticamente extinguindo o desemprego."

"Dirceu, por pragmatismo, passou a maior parte do segundo semestre de 2006 fora do Brasil. Não queria prejudicar a reeleição de Lula - não por afeto ou gratidão, mas porque a manutenção de velho aliado na Presidência lhe dava poder e facilitava seus negócios. (...) "Eu agora sou capitalista." - costumava responder a quem perguntava sobre suas atividades, que lhe rendiam pelo menos R$ 20 mil mensais, livres, de cada cliente!
" A duas semanas das eleições, três petistas seriam presos em um hotel, em frente ao aeroporto de Congonhas, com R$1,7 milhão - valor a ser utilizado na compra de um falso dossiê com imagens e documentos que mostrariam o envolvimento dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin num esquema de desvios no Ministério da Saúde. (...) O novo caso de corrupção impediu a vitória de Lula no primeiro turno. (...) Três semanas depois, sem novos escândalos no caminho, Lula seria reeleito com 58.295.042 de votos, 60,83% do total. Alckmin teve 2,4 milhões de votos a menos no segundo turno do que tivera no primeiro. O presidente reeleito recebeu um telefonema de parabéns de seu ex-chefe da cada Civil, que não iria à festa da vitória, tampouco à segunda posse do PT na presidência."
"Como já acontecera dois anos antes, na CPI dos Correios, o mensalão voltava a ser um espetáculo. Em 22 de agosto, uma quarta-feira, as emissoras de TV e rádio passaram a transmitir ao vivo as sessões do Supremo Tribunal Federal. (...) Advogados dos réus, jornalistas brasileiros e correspondentes internacionais lotaram hotéis e restaurantes de Brasília. (...)
Iluminado por todos esses holofotes, Joaquim Barbosa conduziria os sete dias de julgamento, com 36 horas de sessão. Atuou a maior parte do tempo em pé, pois as fortes dores nas costas que começara a sentir ficavam mais agudas quando se sentava. O Ministro não amaciou com Dirceu - a gratidão pela ajuda na nomeação fora soterrada por camadas de provas contundentes da existência do mensalão. "Dirceu era o comandante supremo da trama, em que outros personagens faziam papel de meros auxiliares." - ressaltaria o relator.
"Na conversa, Lewandowski desabafaria: "A imprensa acuou o Supremo. Todo mundo votou com a faca no pescoço. A tendência era amaciar para o Dirceu." Na mesa ao lado, a jornalista Vera Magalhães, da coluna Painel da Folha de São Paulo, escutava tudo."

Consciente de que seus negócios no Brasil estavam visados e que a hostilidade era crescente, Dirceu decidira passar cada vez mais tempo no exterior. (...) Assim que chegou à sala de embarque do Aeroporto de Guarulhos, um homem que falava ao celular o encarou e falou para a pessoa do outro lado da linha: "Sabe quem está passando por aqui agora? O Zé Dirceu. Vade retro Satanás!" Na manhã seguinte, ao desembarcar em Lisboa, foi saudado com um grito de "pilantra!".
Numa entrevista a Zuenir Ventura, reclamou da vida social: "Eu, que estou com 62 anos, se ficar uma semana sem jantar bem, sem tomar um vinho, morro. Ainda mais com a vida que estou levando, lendo apenas um livro a cada quinze dias, sem ir ao cinema que é a minha paixão. Eu sou mineiro, comida pra mim é fundamental."

"O implante capilar fora a demonstração mais explícita da vaidade de Dirceu. Ele só saía de casa barbeado, usava creme de cabelo da marca Keune, que procurava em toda viagem ao exterior, tinha mais de vinte vidros de perfume e andava sempre com um pentinho verde no bolso de trás da calça. Não podia ver espelho que parava para conferir o cabelo e o nó da gravata, quando de terno."

"Continuava falando com Lula regularmente, mais por telefone do que pessoalmente. O segundo mandato era uma sucesso popular. Com o crescimento da economia e dos programas sociais, o presidente conseguira se consolidar como um herói para os mais pobres, que relevavam as denúncias constantes de corrupção e de aparelhamento do Estado. Em suas viagens, principalmente ao Norte e ao Nordeste, Lula era aclamado, abraçado e cercado como um ídolo da música ou um craque de bola."

"E Lula fez uma aposta ousada: Lançar a candidatura de Dilma Rousseff, a sucessora de Dirceu na Casa Civil, que jamais disputara uma eleição na vida. O presidente via na ministra uma candidata com potencial, pois tinha o perfil da mulher dura ,intolerante com a corrupção e a incompetência. No início do segundo mandato, deu-lhe a incumbência de comandar o Plano de Aceleração do Crescimento, um amontoado de obras e projetos espalhados pelo país,e a batizou de "mãe do PAC". O marqueteiro João Santana, que substituíra Duda Mendonça após o mensalão, seria o responsável pelo treinamento de Dilma, que aprendeu a falar em público e a discursar, além de passar por mudanças estéticas radicais, como a troca de óculos de armações grossas por lentes de contato, o corte de cabelo mais jovial, uma cirurgia plástica para atenuar as expressões do rosto e um regime que a deixaria dez quilos mais magra."
"Dirceu apresentou Dilma a políticos e empresários e convenceu o PT da importância de sua vitória: " A eleição de Dilma é mais importante do que a eleição de Lula, porque é a eleição do projeto político do PT. A Dilma é a expressão do projeto político. Temos que nos transformar em maioria, temos que repensar o socialismo".

"Discrição e José Dirceu, entretanto, não combinam. E logo ele começaria a aparecer mais do que Lula e Dilma queriam - na política e nos negócios. No mês seguinte, Dirceu foi ao Ceará ameaçar Ciro Gomes, ex-ministro e pré-candidato à presidência pelo PSB. Em um café da manhã, disse-lhe que, se não abandonasse a candidatura, o PT retiraria o apoio à reeleição de seu irmão, o governador do Ceará, Cid Gomes. Os irmãos não gostaram e convocaram uma entrevista para denunciar a ameaça. Lula teve de entrar em campo para acalmar os Gomes e prometer que o PT continuaria na aliança de Cid. Isolado, Ciro acabou desistindo, mas jamais voltaria a falar com Dirceu."

"Lula, mais uma vez,chamou Dirceu ao Alvorada, no inicio de março. Pediria então que se contivesse e que, pelo menos até a eleição, evitasse criar dificuldades para a campanha."

"A caminhada de Dilma não era fácil. Não bastasse a inexperiência eleitoral, foi acometida por um câncer no sistema linfático que a obrigara a passar por um severo tratamento de quimioterapia e radioterapia. Recuperada, vir-se-ia às voltas com as denuncias de tráfico de influência que derrubaram sua sucessora na Casa Civil, Erenice Guerra, sua principal assessora nos dois ministérios que ocupara no governo - Minas e Casa Civil."

"No dia da votação, 3 de outubro, Dirceu teve de entrar pela porta dos fundos de seu colégio eleitoral,na Vila Mariana. Mesmo assim, não evitou os gritos de "ladrão", "mensaleiro" e "pilantra" de outros eleitores. À noite, seguiu para Brasília. Tomou todas as precauções habituais: aguardou em um canto isolado da sala de espera, reservou uma cadeira na primeira fileira e foi o último a entrar no avião. De nada adiantaria: foi vaiado e xingado em coro durante todo o percurso. Naquele dia, tomou a decisão de jamais viajar em voo de carreira novamente: dali em diante, só em jatinho."

"A campanha encontrou seu eixo no segundo turno e Dilma, com 56% dos votos válidos, seria a primeira mulher eleita para presidir o Brasil. Na transição, Dirceu conversava constantemente com ela, por telefone, mas não a encontraria pessoalmente. Tentara interferir, sem sucesso, na montagem do ministérios, e acabou vendo os desafetos Palocci e José Eduardo Cardozo em dois dos principais cargos do novo governo: os ministérios da Casa Civil e da Justiça."

"Duas semanas antes de passar a faixa presidencial, Lula comandou um evento de balanço de seus oito anos no Palácio do Planalto e citou nominalmente Dirceu como um dos responsáveis por seu sucesso e pela eleição da sucessora."

"Na ocasião, política era a menor das preocupações do ex-ministro. Meses antes, conhecera Simone, uma modelo que trabalhava como recepcionista em ma feira de negócios em Brasília.Saíram duas ou três vezes, e ela o avisou de que estava grávida. Discutiram muito. Dirceu tentou negar a paternidade ou obrigá-la a passar por um teste de DNA, mas foi convencido de que um escândalo às vésperas do julgamento do mensalão só rir prejudicá-lo. No final daquele ano, nasceria Maria Antônia, nome escolhido pelo pai como homenagem à rua onde começara sua carreira política, nos anos 1960."

"Dirceu era um homem milionário que, no entanto, não podia sair nas ruas nem controlar seu futuro. A decisão sobre se era culpado ou inocente das acusações de formação de quadrilha e corrupção ativa estava nas mãos dos onze ministros do Supremo, oito deles indicados por Lula e Dilma."

"José Dirceu foi acordado por Evanise pouco depois das sete da fria manhã de 28 de julho de 2012. Com um iPad nas mãos, ela lhe mostrou a revista Veja que acabara de baixar. Em um fundo preto, uma foto dele, em pé e de terno, ocupava toda a capa da publicação. Abaixo da imagem, apenas uma palavra: réu - em letras garrafais. O mau humor era extremo. Dirceu odiava acordar cedo, odiava ser despertado, odiava o frio de julho e odiava a Veja."

"Para quem já viveu o que eu vivi, sair daqui clandestino de novo não custa nada." No apartamento de Juca, porém, diria que aquela frase já não fazia mais sentido: "Não sou homem de fugir. Prefiro ir para a cadeia do que viver escondido."

"Ele realmente tinha um projeto. Abandonaria o Brasil, onde a política dificultava seus negócios, e se tornaria um lobista internacional. Levaria empresas brasileiras para Cuba, onde uma abertura econômica estava para acontecer: "Quem for amigo do rei vai montar em dinheiro quando Cuba entrar no capitalismo. E tem pouca gente tão influente com o Fidel e o Raúl como eu."

"Seu grandioso discurso seria interrompido por uma questão incômoda, mas pertinente: "E se você tiver que ir para a prisão? - questionou Roberto Machado. Ele desdenhava da possibilidade, embora tivesse um projeto definido para a pior das hipóteses. "Aí eu vou virar mártir." Fecharia sua empresa de consultoria, se abraçaria à ala mais radical do PT e denunciaria o Brasil às cortes internacionais de direitos humanos. Montaria uma agenda de visitantes internacionais ilustres, como Hugo Chávez e Raúl Castro. E aproveitaria o tempo livre para escrever sua biografia, que imaginava, venderia mais do que pão quente."

"Nos meses que antecederam o julgamento, falou com os onze integrantes do STF que o julgariam. E tinha opinião detalhada e fundamentada sobre cada um deles. Dois ministros, em sua análise, o absolveriam de qualquer acusação: José Antonio Dias Toffolli e Ricardo Lewandowski.
Embora não com tanta certeza como em relação aos dois primeiros, Dirceu apostava que Celso de Mello e Marco Aurélio Mello votariam pela absolvição.
Gilmar Mendes, para o réu, era um caso perdido. Os votos dados como perdidos, além do Gilmar, eram os dos ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Carmen Lúcia e Cézar Peluso. Para ser absolvido, então, precisaria dos votos dos dois ministros mais novos, indicados já no governo de Dilma Rousseff: Rosa Weber e Luiz Fux."

"A confiança na absolvição era tamanha que desprezou uma tentativa de acordo proposta por Roberto Jefferson."

"As duas da tarde do dia seguinte, o presidente da Corte, Ayres Britto, declarou iniciado o julgamento da Ação Penal 470, nome técnico do processo, preferido dos réus e de seus simpatizantes, que se recusavam a pronunciar o termo mensalão."

"O advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça de Lula, pediu a palavra. E propôs que o processo fosse desmembrado: apenas os três réus que tinham mandato de deputado seguiriam sendo julgados pelo Supremo; os demais casos seriam remetidos para a primeira instância.
O pedido gerou uma discussão entre dois ministros, embate que se tornaria regra no julgamento. Ricardo Lewandowski acatou a sugestão e, por uma hora e meia, discursou defendendo a tese de Thomaz Bastos. Joaquim Barbosa, que levara ao Supremo as 50 mil páginas do processo, ficou irritado e foi para cima do colega com um discurso duro: "É deslealdade."
 
Era a primeira derrota de Dirceu no longo processo. E a primeira das dezenas de brigas entre Barbosa, o algoz e Lewandowski, o defensor dos réus."

"O único momento surpreendente, que tirou o julgamento do marasmo, foi protagonizado pelo advogado de Roberto Jefferson, que declarou que a ordem para a montagem do esquema de corrupção partira de Lula."

"Dirceu começara a ser visto como uma âncora, que servia para fundar eleitoralmente os petistas. Adversários passaram a explorar o mensalão nos programas de TV, como o ex-governador José Serra, do PSDB, que disputava contra Haddad."

Sua principal mágoa, na política, voltara-se então à presidente Dilma Rousseff. Esperava que ela trabalhasse pela sua absolvição, conversando com ministros do Supremo, principalmente com os que indicara. Também achava que a presidente deveria ir a público defender os réus. Mas ela não atendeu às expectativas. Pelo contrário. Para Dilma, o melhor era a condenação rápida dos envolvidos com o caso, principalmente de Dirceu. Condenados, perderiam a força no PT e a influência no governo que ainda tinham. E os adversários políticos ficariam sem uma de suas principais bandeiras. Dilma poderia se dedicar ao governo e à campanha da reeleição com um problema a menos."

"No final de setembro, Dirceu foi à Brasília e tentou se encontrar com a presidente. Sequer receberia a negativa, simplesmente ignorado. Procurou, então, assessores dela, dos quais ouviu o recado de que não queria mais recebê-lo. Desde aquele dia, passou a defender que Lula votasse à disputa política e fosse o candidato do PT à presidência em 2014."

"A mudança na cronologia do julgamento e as primeiras manifestações do ministros transformariam a convicção de Dirceu. Ele passou a ter certeza da condenação; só não sabia se a regime fechado ou a uma pena intermediária".

"Pela primeira vez revelou que se preparava para a prisão. Aumentara o tempo das corridas para chegar magro caso precisasse ir para a cadeia. Fizera exames para analisar seus índices corporais. Separara uma dezena de livros que pretendia ler. E tomara medidas práticas para preservar sua família."
"Os boatos de que poderia fugir do país ganhavam força. Algumas pessoas de seu entorno chegaram a imaginar que se suicidasse, tamanha era sua revolta com os rumos do julgamento. Como explicitaria Clara Becker, sua primeira mulher: "meu medo é que ele se mate na prisão."

"Essa história que inventaram de que vou sair do Brasil não combina comigo. Saí porque fui expulso do país. Cassaram a minha nacionalidade. Eu era apátrida, não podia viajar. Quem me impedia de voltar era a ditadura militar. E mesmo assim eu voltei para o Brasil, duas vezes, colocando a minha própria vida em risco. Eu iria embora agora?" - questionava."

"Abaixo-assinados eram publicados diariamente nas redes sociais clamando pela condenação dos mensaleiros - Dirceu à frente. Os velhos companheiros petistas, pragmáticos, viraram-lhe as costas."
"O cerco se fechava. E os boatos sobre a possibilidade de fuga voltariam a prosperar. Joaquim Barbosa, em uma medida inócua, mas popular, mandara a Polícia Federal acionar os postos de fronteira para impedir a fuga dos condenados. Dirceu sabia que a condenação era inevitável e já se preparava para a prisão. Guardava todas as suas energias para sobreviver na cadeia."

"Em 12 de novembro, o golpe final: na definição das penas, Dirceu seria condenado a dez anos e dez meses de prisão. De acordo com a legislação brasileira, aquilo significava ao menos dois anos em regime fechado, antes de ter direito à progressão da pena, que poderia lhe levar a uma cadeia semiaberta, condição em que só voltaria à prisão para dormir."

"No dia seguinte à definição da pena, Dirceu chorou pela primeira vez em todo o processo, ao ler, na Folha de São Paulo, artigo assinado por seu filho Zeca Dirceu, então deputado federal. Sob o título"A luta do meu pai continua", Zeca dizia: "José Dirceu foi e é um excelente pai. Nossa relação é de amor, amizade e cumplicidade. Inspira-me seu trabalho de construção, organização e modernização do PT."
"Se ficara feliz com o filho, irritara-se com Lula, que se recusou a comentar as condenações, sob o argumento de que não vira a sessão."

"Revelou estar com medo de ir para a prisão e ainda achou espaço para uma preocupação mais prosaica: "Como vou ficar dois anos sem comer ninguém?" - perguntou. " Mas você não vai ficar dois anos sem comer ninguém. Qualquer cadeia hoje tem visita íntima. Você vai ver a Eva toda semana" - respondeu o advogado."

"Aventou se poderia levar comida e bebida alcoólica à vontade para a cadeia. "Comida, só uma vez por semana. Bebida jamais." - explicou o ministro. Por fim, bem a seu modo, quis se informar sobre as regras das visitas íntimas. "Eu poderei transar na cadeia?" - questionou. "Poderá, lógico" - disse o interlocutor, que completou: "A cada uma ou duas semanas você terá direito a uma visita íntima de sua mulher.".

"Condenado, Dirceu resolveria acabar com os boatos sobre a possibilidade de fuga: entregou seu passaporte ao Supremo Tribunal Federal."

"A jovem Rose, de formas avantajadas, conhecida como a "bunduda do sindicato", era cobiçada pelos petistas.
O primeiro a fisgá-la seria Dirceu, que a contratou como secretária do partido, no início de 1995. Lula logo se aproximou da bela secretária. Ao assumir a presidência, oito anos depois, a nomearia chefe de gabinete de seu escritório em São Paulo, com um salário de cinco dígitos."
"Rose era mulher de confiança de Lula, acompanhava-o a todas as viagens internacionais nas quais a primeira-dama, Marisa Letícia, não estava. Tinha contato próximo com políticos e empresários. E, pior de tudo para ele, trabalhara doze anos a seu lado; sabia muitos segredo e histórias de bastidores. A investigação da Polícia Federal buscava exatamente os elos dessa amizade de Rose com um esquema de corrupção no governo federal."

"Resignado com a proximidade da prisão, Dirceu tentaria colocar em prática o plano que revelara na casa de Juca, o de se tornar um mártir da esquerda nacional."

"Em um depoimento sigiloso à Procuradoria-Geral da República, Marcos Valério voltaria a acusar Lula de comandar o esquema. Declarou ainda que Dirceu tentara convencê-lo a subornar testemunhas da morte de Celso Daniel para que não revelassem os detalhes do crime. Os novos depoimentos em nada mudaram as condenações do julgamento. Abriram, porém, uma nova frente de investigação, sobre a participação de Lula no caso."

"Dirceu, então, pegou o carro e foi para Passa Quatro. Resolvera passar o Natal com dona Olga. Provavelmente, seu último com a mãe, acometida da doença de Alzheimer, e que, segundo os médicos, dificilmente estaria viva quando deixasse a cadeia, dali a dois ou três anos."

"A convivência com a filha caçula era uma das coisas que mais o alegrava. (...) Uma filha era diferente. Cada novidade na vida da garota o enchia de alegria e fazia com que, momentaneamente, esquecesse todos os problemas. Foi assim quando nasceu o primeiro dente, no primeiro passo, na primeira frase pronunciada, quando finalmente falou papai.
O único obstáculo à convivência com a filha era o péssimo relacionamento entre Evanise e Simone. Uma não permitia que ele frequentasse a casa da outra. Havia, portanto, apenas duas possibilidades de ver a menina: levá-la a sua casa em Brasília ou pelo Skype."

"Dinheiro não era problema. Apesar disso , Dirceu sentiu que era hora de economizar, pois o futuro seria nebuloso. (...) Com isso, Dirceu reduziria pela metade as despesas, que até então batiam em R$ 350 mil. Também seu estafe foi diminuído, de cinquenta para vinte pessoas."

"A doença do presidente da Venezuela, internado em Cuba para tratar um câncer, representava um dos maiores golpes em Dirceu desde a condenação. Chávez era um de seus principais parceiros comerciais, abria as portas de seu país para empresas brasileiras e o ajudava a receber dinheiro de seus negócios do exterior. Sua saída de cena colocara uma nuvem de incertezas sobre boa parte de seus contratos. Em 5 de março, Chávez afinal não resistiu ao câncer e morreu em Caracas, aos 59 anos. Dirceu então pediria ao Supremo uma autorização para viajar à Venezuela. Queria acompanhar os funerais de seu amigo. O pedido, porém, seria negado."

"Também reclamou de Lula. Avaliava que, no estouro do mensalão, fora o escolhido para vilão, enquanto o presidente se reinventava como herói dos pobres."

"A imprensa explorou o antipetismo que existe na elite brasileira. E eu fui o escolhido para representar o vilão petista" - refletiu. Dirceu, em um momento raro em sua tradicional megalomania, revelava-se humilde e derrotado."

"A cadeia era inevitável. E a frustração também. Estava com 66 anos, chegando aos 67. Passara um ano na prisão, seis anos no exílio, quatro na clandestinidade, e os últimos oito anos sem os direitos políticos.
No instante em que, conforme imaginara, deveria estar no auge da carreira política, no entanto, se preparava para enfrentar pelo menos mais dois anos de presídio."

"Saíra de Passa Quatro na infância sonhando em mudar o mundo.
Liderara um movimento de estudantes que pretendia enfrentar o regime militar, mas foi preso. Tentara voltar ao Brasil como líder de uma organização guerrilheira que derrubaria o governo pelas armas, mas acabou tendo de voltar à clandestinidade, com seu grupo dizimado. Ajudara a construir um partido de trabalhadores, que chegaria ao poder, porém longe de cumprir as promessas de mudar as práticas políticas vigentes no país. Sonhara, desde aquela conversa com a mãe, aos 8 anos, em ser Presidente da República. Mas o sonho de uma vida inteira seria enterrado pelo mensalão.
José Dirceu de Oliveira e Silva jamais chegou a lugar nenhum."

FIM


Otávio Cabral, autor de "Dirceu" é editor de Veja,  mais importante revista semanal do Brasil na qual trabalha desde 2004. Em vinte anos de carreira acumula passagens pelos jornais "Noticias Populares" e "Folha de São Paulo". Durante dez anos, de 2000 a 2010, cobriu os principais acontecimentos da política nacional diretamente em Brasília. Cursou jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Nasceu em 1971, em São Paulo. É casado, tem dois filhos e é torcedor do Santos F.C. "Dirceu é seu primeiro livro.
(copiei da orelha do livro)


Nota: neste resumo não há nenhuma conotação política, nenhuma opinião pessoal e nenhuma palavra de minha autoria.


 


3 comentários:

Unknown disse...

Parabéns, está excelente de ler assim...comecei as 20:30 e terminei agora as 23:45.Adorei poder ler assim.Bjs

Maria Luiza Vargas Ramos disse...

Obrigada. Deu bastante trabalho. Ainda bem que mais pessoas estão podendo aproveitar. Bjo Gilda.

Francisco Carlos D'Andrea (francari) disse...

Só agora, depois das 2 da madrugada, com toda a calma, resolvi ler todo o resumo. Muito bom o teu trabalho e muito esclarecedor o texto sobre os bastidores da política brasileira. Obrigado. Abração.