sexta-feira, 13 de maio de 2016

O PREÇO




A leitura é um prazer solitário. Egoísta e divino. Através dela podemos nos ausentar, mesmo que não nos seja permitido dar um passo. Podemos fazer ouvidos moucos a conversas desinteressantes, suportar viagens longas ou salas de espera tensas e/ou atrasadas. Lendo viajamos, sofremos, deliramos, conhecemos... com o corpo relegado ao plano secundário que lhe cabe por direito e deixando o espírito flanar. Sinto pena de quem ainda não descobriu os prazeres inenarráveis de um bom livro.
A escritura também não é compartilhada e, quase sempre, traz um ônus pesado ao escritor. Quantos mestres das letras se dissolveram nos vícios e orgias literárias perseguindo suas musas! Os românticos não concebiam poemas que não fossem encharcados no absinto. E morriam cedo demais, deixando obras eternas, incapazes muitas vezes de serem igualadas por escritores longevos. Seria genialidade? Atmosfera propícia à manifestação do gênio, ou Liberdade? Parece que suas cabeças talentosas faziam um pacto cruel com o destino, permitindo-se implodir, romper com todas as amarras da mediocridade, trocando vida e saúde por uma obra prima.
Hoje, a maioria dos escritores tem horário de funcionário público para escrever, frequenta academia, bebe energéticos ao lado do computador.
Será que Graciliano Ramos escreveria da mesma forma sem a pura cachaça nordestina e seus incontáveis cigarros? Poderia sua alma de homem reservado romper os grilhões e criar “Angústia” sem o auxílio de seus vícios?
E Nelson Rodrigues, de vida e obra tão trágicas (mesmo nas crônicas de costumes há muita tragédia embutida), conseguiria suportar suas mazelas e transformá-las em romances, peças teatrais, crônicas sem o auxílio da muleta que o cigarro representava?
João Ubaldo, de dedos manchados e cinzeiros cheios ao lado da máquina de escrever, hoje é outro homem, outro escritor, livre do tabagismo. Melhor como gente, só não sabemos ainda como contador de histórias.
O fato é que vidas certinhas não dão uma boa história e a rotina sufocante dos dias iguais, ruídos iguais, pessoas iguais não permite o alçar de grandes voos. O simples fato de se pensar “para quem” escrevemos, ou “quem” irá nos ler já mutila a criatividade, numa pré-censura empobrecedora.
O escritor precisa ser livre, ter o direito de dizer as coisas como pensa ou inventou sem interferências externas. Quem gostar gostou e quem não gostar que procure outra coisa para ler.
Somos todos muito diferentes. Nem filhos da mesma “ninhada” saem iguais. É claro que alguns leitores serão nossos fãs, outros nos detestarão e, o pior de tudo, para muitos seremos indiferentes.
Nada como uma boa leitura, com certeza! Mesmo que o preço para atingir aquele resultado tenha sido bem alto para o autor.
Tudo na vida tem um preço, na literatura não é diferente. Muitos gênios das letras sucumbiram dentro da própria genialidade e nos legaram verdadeiros tesouros. Eternizaram-se neles.
Quem diz que ao ler ou escrever nos isolamos? Aí sim é que nos sentimos povoados, transportados, postos à prova.
Dói muitas vezes, mas é altamente compensador!






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