segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CARTA PARA MINHA AVÓ



                  Querida vó Odith!
                  Hoje resolvi escrever uma carta, te colocando a par das novidades e mudanças no nosso tempo e em nossa família. Não sei quando irás recebê-la, no entanto, isso não é o mais importante. O que conta mesmo é essa vontade de conversar contigo, devagarzinho, como fizemos tantas vezes na varanda da nossa casa.
                   Fecho os olhos e te vejo, sempre perfumada e arrumada, sentada na cadeira de balanço. Na verdade, nem preciso fechar os olhos, basta me ver nos espelhos, pois estou, a cada ano, mais parecida contigo. Por dentro e por fora.
                   Imagina, Vó, que esta tua netinha também já é avó?! Pois é. Fui mãe bem cedo,mas depois os filhos homens me deram um prazo mais longo para cuidar de mim e da minha profissão, antes de colocarem seus filhos em meu colo e na minha casa, onde fiquei tomando conta deles até atingirem a idade escolar. Já são três, com o quarto a caminho. Lindos de viver!  Não é só corujice de avó não, eles são perfeitinhos mesmo, com traços delicados, olhos grandes e cabelos sedosos. Tiveram mais sorte que nós, né Vó, pelo menos não herdaram nossos olhos amendoados e nossos cabelos crespos.
                     Com certeza lembras dos meus bailados! Pois minha neta mais velha herdou o ritmo e a musicalidade e já dança balé muito bem! Assim como tu dizias de mim nas apresentações, também acho que ela é mais graciosa que todas as outras.
                    Meu piano anda muito fechado, muito quieto, pois quase não tenho tempo para tocar. Ajudo a cuidar das crianças e, principalmente, tenho todo o carinho e atenção para com minha mãe, tua filha, que está forte e lúcida aos noventa e cinco anos! Vivo me prometendo voltar a tocar, as pequenas já adoram dedilhar suas teclas, qualquer dia desses cumpro a promessa.
                    Sabe Vó, eu lembro sempre de ti, em tudo o que faço, até porque aprendi a maior parte das coisas contigo. Dizem que sou a tua sucessora na cozinha, onde o bacalhau e o pavê de chocolate continuam em destaque nos almoços da família. De vez em quando faço aqueles pães e aqueles doces maravilhosos que enchiam a cristaleira da nossa casa e mais pareciam doces portugueses de tantos ovos que levavam na receita. Deve ter sido também por causa deles que viveste tão forte e saudável até os noventa e seis anos!
                     Contigo aprendi, também, os tantos segredos dos cuidados femininos, o respeito ao corpo e à mente, a postura e, sobretudo, a sinceridade. Quero ser para as minhas netas o que tu foste para mim – uma segunda mãe atenciosa, presente, orientadora. Nossa diferença está nos beijos e abraços que distribuo generosamente aos meus pequenos e que não eram muito comuns em ti.
                    Vó querida, acho que não ias gostar muito do mundo de hoje. Tanta coisa feia, tantas injustiças, tanta violência, tanto desrespeito... Os tempos mudaram depressa demais e não sei se para melhor. O ar está poluído, os alimentos contaminados, muitas doenças incuráveis oriundas dessa poluição, outras decorrentes da solidão e da depressão em que as pessoas vivem, os valores morais estão quase extintos, enfim, creio que não te adaptarias a esse tempo.
                    Nosso pequeno mundo era até melhor, depois que chegou essa tal de globalização o que conseguimos foi ficar sabendo das desgraças de todos os povos do mundo que, somadas às nossas, deixam a humanidade muito mais infeliz.
                   Notícia boa é te contar que teu bisneto mais velho se formou como sonhavas e hoje é um cardiologista respeitado. Ele também não te esquece e sempre se refere a ti com muito carinho. A filhinha dele tem os dentinhos da frente separados, como os teus. Sangue não é mesmo água!
                  Como eu gostaria de poder te apresentar cada um dos membros da família que formei! Eles te conhecem muito bem, já que deixaste tua marca bem nítida em mim, em tudo o que eu sou, além da semelhança física.
                  Saudade... muita! Sempre. Nossa casa ainda tem o perfume dos jasmins que plantaste e o consolo maior para a tua ausência vem da Fé, a mesma fé que povoou teus dias e que dá significado aos meus.
                 Nossa Senhora há de levar esta carta para ti, sei que deves estar pertinho dEla, porque foi o que sempre pediste nas tuas orações.
                 Num tempo de sentimentos superficiais e efêmeros, não há de passar em branco a devoção e a saudade de uma neta por aquela que foi uma avó no sentido mais gostoso e pleno da palavra.
                 Cuida de mim Vozinha!
                 Te amo!
Maria Luiza










Um comentário:

Ana Lúcia Carbonell Martins disse...

Lindo texto Maria Luiza!
Deve ser muito bom ter recordações felizes de avós, não tive essa sorte, minhas avós já eram falecidas quando nasci. Bjos