quinta-feira, 10 de abril de 2014

MEU PIANO E EU




                    Comecei a estudar piano com oito anos, no Conservatório do Maestro Schneider. Apesar da pouca idade, ia sozinha para as aulas e ainda estudava num piano alugado do Colégio das Freiras. O tempo passava rápido demais e elas tinham que me avisar quando outro aluno chegava, tal o meu envolvimento já naquela época. O Maestro falava entusiasmado da minha aptidão para o instrumento, mas todos apostavam que eu iria enjoar.
                    Minha avó materna tinha sido uma excelente pianista, que tocava em dueto com o irmão flautista, só que, com a morte do marido, ela se desgostou da música e vendeu seu lindo piano alemão, uma vez que minha mãe até tentara, mas descobrira que não dava mesmo para a música.
                   Com nove anos mudei de escola de música e fui estudar com a professora Cyra Neves Brittes, que morava mais perto da minha casa e me cedia seu piano para estudar. Ela convenceu meus pais de que valia a pena investir num instrumento para mim, porque eu realmente gostava muito e tinha facilidade para aprender.
                     Difícil explicar o que sente uma criança de nove anos diante de um piano imponente, novinho em folha, numa loja comprida como o Posto Sayon, onde teve que dedilhar o teclado branquinho para ouvir o som e encorajar o pai, disposto a fazer um sacrifício enorme, como funcionário público que era, para adquirir um instrumento caro daqueles para uma menina tão pequena.
                     O piano era um M. Scwartzmann, depois fiquei sabendo que dos melhores da marca. Não era um piano alemão, ou inglês, muito caros, sempre de segunda mão, mas era o melhor que meu pai podia comprar e eu tinha um orgulho enorme dele!
                    Passei diante do meu piano horas saborosas, de descobertas, de estudos, de encantamento, de envolvimento. Estudava com gosto, horas a fio e nunca me negava a tocar para as visitas, ou para a família. Tocava em audições, fazendo trilha sonora para desfiles, em festas, nos hotéis onde me hospedava (até hoje faço isso) e até para os amigos dançarem, nas reuniões dançantes da época.
                    Fui até o sétimo ano, já em Uruguaiana, com a professora Rosalina Pandolfo Lisboa, que me deixou muito afiada, exigindo bastante de mim. Com ela descobri e me apaixonei para sempre por Chopin.
                    Meu piano foi meu confidente, meu desabafo, minha saudade, minhas paixões. Tudo vertido ali, naquelas telas imaculadas.
                   Depois vieram as mudanças, a angústia de vê-lo mal carregado nos caminhões, a afinação caindo de tanta movimentação, mas nunca desisti de tê-lo comigo.
                   Nele ensinei muitos alunos numa certa época da vida.
                   Nele também dois dos meus filhos estudaram, sendo que o menor foi bem além, quase até onde eu parei.
                   Ultimamente tenho tocado pouco, a função das crianças não é muito propícia para o piano. Como a Bruna tem manifestado vontade de aprender a tocar, achei que chegara a hora de colocar meu amigão em dia, pois o móvel está judiado das mudanças e aqui, nesta cidade, existe uma praga chamada cupim, que destrói tudo o que a gente mais gosta.
                  Pois bem, serviços contratados, afinador a postos e eis que recebo uma notícia muito triste, que me deixou realmente abalada. Os malditos cupins comeram partes importantes da mecânica do piano e fizeram a festa nas madeiras internas, onde a gente não pode vê-los. O resultado disso é que meu piano está condenado! Vai continuar sendo afinado enquanto segurar a afinação, mas o móvel está perdido.
                 Durou cinquenta e dois anos. É pouco. Poderia durar muito mais, não fossem as mudanças e os cupins.
                  Vou ensinando a Bruna e, se ela tiver talento, quem sabe aos nove anos não entramos juntas numa loja de instrumentos musicais...





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