Esta crônica ganhou prêmios e deu origem ao blog.Talvez você ainda não tenha lido...faz 10 anos!
Toda menina sonha em se tornar moça, mas nenhuma delas tem pressa de
envelhecer. Demora tanto para se chegar aos vinte anos que fica difícil
acreditar que o tempo passará mais depressa depois, ou que assim possa parecer.
Para as meninas da minha época, então, chegar aos quinze anos tinha uma
urgência especial, pois só assim poderíamos usar sapatos de salto, passar
batom, namorar, dançar. Hoje mudou bastante, parece que, de tardia, a
adolescência se tornou precoce. Depois
dos vinte, éramos alertadas de que levaríamos um choque quase fatal ao apagar
as trinta velinhas do bolo. Se sobrevivêssemos, aos quarenta entraríamos numa
fase interminável dos “enta” que só
terminaria na morte, ou num hipotético aniversário de cem anos. Como se pode
ver, as faixas etárias foram sempre bem marcadas e nem sempre com as benesses
dos quinze anos. Os cinquenta, então, nem eram muito comentados, talvez para
não assustar demais.
Para homens e mulheres, completar 50
anos deve ser diferente, como, de resto, quase tudo o é, malgrado a opinião
das feministas. Para as mulheres, funciona mais ou menos assim.
No dia do meu aniversário, quando, no dizer da minha bondosa mãe, estou
completando “meio século” de vida,
convido-os a fazer um passeio comigo pela minha geração.
Quem já passou dessa idade deve lembrar-se
de muitas coisas, já que as mudanças, naquele tempo, não eram assim tão
avassaladoras. Os que pertencem à minha geração certamente irão se encontrar
muito no texto e os mais jovens poderão lê-lo como historiografia ou
curiosidade, o importante é que leiam.
Com cinquenta anos a gente tem menos pressa, mais paciência, explode
menos, chora menos de raiva e mais de saudade. O espelho passa de amigo a
delator, apontando defeitinhos novos a cada dia, debochando do nosso arsenal de
cremes e opinando sobre a conveniência dos nossos adereços, roupas e penteados.
É hora de reler os livros e rever os filmes assistidos numa época de
maior turbulência emocional e menos tempo. Com essa idade já nos ajustamos ao
salário, ou nos resignamos a ele, o que evita maiores frustrações. Os sonhos
são menores, mais facilmente exequíveis e a saúde assume a forma do bem maior,
desejado antes de qualquer outro. Aproximamo-nos mais da família de origem,
buscando as raízes, tentando voltar ao ninho de nascimento, até como uma forma
de proteção contra o receio da morte.
Fazer cinquenta anos é ter acompanhado a evolução do fogão a lenha ao
forno de micro-ondas, habituando-se a eles; da caneta-tinteiro ao teclado do
computador; do cinema mudo aos filmes com efeitos especiais; dos bebês deixados
em cestinhas à porta das casas ricas aos clones; do beijo técnico em Casablanca
aos edredons do Big Brother Brasil; do telefone de manivela, via telefonista, à
invasão dos celulares cada vez mais avançados e muitas outras mudanças que nós
realmente vivenciamos e às quais tivemos que, em tempo recorde, nos adaptar
para não perdermos o bonde da história.
Quem de nós não brincou de bonecas de papel, com as roupinhas
cuidadosamente recortadas? Quem não teve botões de casacos arrancados pelo
irmão para ser transformado em um artilheiro de seu time de futebol de botão?
Quem não pediu mármores (até do cemitério) para fazer pedrinhas de Cinco
Marias? E pulou amarelinha, brincou de baleia, de rei-rainha, de bandido e
mocinho, de esconde-esconde? Ouvindo novelas de rádio, sem TV e muito menos os
questionáveis videogames.
Ser “cinquentinha” é também
ser “envelhecente”, com altos e
baixos típicos da transição de idade, sentindo-se às vezes com vinte e em
outras com setenta anos, achando seus contemporâneos envelhecidos, embora seu
bom senso permita que eles pensem o mesmo de si. É chorar e gargalhar menos,
mas sorrir mais. É ter seu termostato enlouquecido, com ondas de frio e calor
diferente das outras pessoas, causando estranheza e muitas vezes embaraços.
Isso ou optar pela reposição hormonal, inchar como um balão e aproveitar a
desculpa para saborear todos os doces proibidos, concluindo que maiô é muito
mais elegante que biquíni e que o sol da praia é um perigo para a pele. É, de
repente, ser chamada de “senhora” por
todos os jovens bem educados e de “tia”
pelos nem tanto. É valorizar mais o amor-calmaria, o amor-companheirismo, o
amor-sintonia. É ter a casa cada vez mais cheia de porta-retratos, mesmo apreciando
menos as fotos “ao natural”.
Chegamos a essa etapa da vida com “o
pacote completo”: rugas, varizes, flacidez, cabelos brancos, filhos
criados, trabalhos dobrados e ainda a desejada e assustadora aposentadoria. Não
podemos mais gerar filhos, tampouco trabalhar, precisamos esvaziar nosso
armário e cedê-lo a alguém mais jovem, com mais energia. Isso não significa,
todavia, que somos descartáveis, apenas que é hora da colheita e não mais da
plantação. Quem teve a sorte de chegar até aqui com um companheiro fiel e
carinhoso, leva vantagem. Caso contrário, vale a pena correr atrás e encontrar
seu par para a próxima etapa da vida. Afinal, podemos caminhar de mãos dadas,
dançar, ir ao cinema, viajar, ser feliz. Até porque, com a indústria da beleza
a nosso favor, tem muita mulher de cinquenta arrasando nas passarelas da vida.
Além do que a beleza da alma não é apenas um eufemismo, ela existe e se
manifesta de forma vigorosa na maturidade.
Completar 50 anos, por fim, é agradecer a Deus por ter chegado com saúde
ao topo da colina e, uma vez lá, aproveitar bem a paisagem antes de começar a
descida.
Afinal, meninas, somos cinquentinhas, mas continuamos adoráveis!
2 comentários:
Realmente chegar aos cinquenta era tão temido que assustava mesmo, eu que o diga, queria sim chegar aos dezoito, mas não queria sair dali, mas o trem da vida anda, precisa chegar em outras paradas do tempo, e nós também precisamos as diversas fases que a vida nos presenteia. Quando eu me aproximei dos cinquenta parecia que a vida estaria perto do fim, não foi. Agora quero chegar aos não sei quanto, talvez setenta, oitenta, sei lá, tudo que for possível. Gostei do texto, só o conheci agora, hoje. Realmente ele é merecedor de premiatura. Obrigado por nos proporcionar uma bela e saudosa leitura: bela porque tem significados e saudosa porque nos traz de volta recordações que pareciam estarem quase esquecidas no baú do tempo. Parabéns pelo texto.
Muito obrigada Líbero! E volte sempre!
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