segunda-feira, 4 de novembro de 2013

ADORÁVEIS “CINQUENTINHAS”




Esta crônica ganhou prêmios e deu origem ao blog.Talvez você ainda não tenha lido...faz 10 anos! 


Toda menina sonha em se tornar moça, mas nenhuma delas tem pressa de envelhecer. Demora tanto para se chegar aos vinte anos que fica difícil acreditar que o tempo passará mais depressa depois, ou que assim possa parecer. Para as meninas da minha época, então, chegar aos quinze anos tinha uma urgência especial, pois só assim poderíamos usar sapatos de salto, passar batom, namorar, dançar. Hoje mudou bastante, parece que, de tardia, a adolescência se tornou precoce.  Depois dos vinte, éramos alertadas de que levaríamos um choque quase fatal ao apagar as trinta velinhas do bolo. Se sobrevivêssemos, aos quarenta entraríamos numa fase interminável dos “enta” que só terminaria na morte, ou num hipotético aniversário de cem anos. Como se pode ver, as faixas etárias foram sempre bem marcadas e nem sempre com as benesses dos quinze anos. Os cinquenta, então, nem eram muito comentados, talvez para não assustar demais.

Para homens e mulheres, completar 50 anos deve ser diferente, como, de resto, quase tudo o é, malgrado a opinião das feministas. Para as mulheres, funciona mais ou menos assim.

No dia do meu aniversário, quando, no dizer da minha bondosa mãe, estou completando “meio século” de vida, convido-os a fazer um passeio comigo pela minha geração.

 Quem já passou dessa idade deve lembrar-se de muitas coisas, já que as mudanças, naquele tempo, não eram assim tão avassaladoras. Os que pertencem à minha geração certamente irão se encontrar muito no texto e os mais jovens poderão lê-lo como historiografia ou curiosidade, o importante é que leiam.

Com cinquenta anos a gente tem menos pressa, mais paciência, explode menos, chora menos de raiva e mais de saudade. O espelho passa de amigo a delator, apontando defeitinhos novos a cada dia, debochando do nosso arsenal de cremes e opinando sobre a conveniência dos nossos adereços, roupas e penteados.

É hora de reler os livros e rever os filmes assistidos numa época de maior turbulência emocional e menos tempo. Com essa idade já nos ajustamos ao salário, ou nos resignamos a ele, o que evita maiores frustrações. Os sonhos são menores, mais facilmente exequíveis e a saúde assume a forma do bem maior, desejado antes de qualquer outro. Aproximamo-nos mais da família de origem, buscando as raízes, tentando voltar ao ninho de nascimento, até como uma forma de proteção contra o receio da morte.

Fazer cinquenta anos é ter acompanhado a evolução do fogão a lenha ao forno de micro-ondas, habituando-se a eles; da caneta-tinteiro ao teclado do computador; do cinema mudo aos filmes com efeitos especiais; dos bebês deixados em cestinhas à porta das casas ricas aos clones; do beijo técnico em Casablanca aos edredons do Big Brother Brasil; do telefone de manivela, via telefonista, à invasão dos celulares cada vez mais avançados e muitas outras mudanças que nós realmente vivenciamos e às quais tivemos que, em tempo recorde, nos adaptar para não perdermos o bonde da história.

Quem de nós não brincou de bonecas de papel, com as roupinhas cuidadosamente recortadas? Quem não teve botões de casacos arrancados pelo irmão para ser transformado em um artilheiro de seu time de futebol de botão? Quem não pediu mármores (até do cemitério) para fazer pedrinhas de Cinco Marias? E pulou amarelinha, brincou de baleia, de rei-rainha, de bandido e mocinho, de esconde-esconde? Ouvindo novelas de rádio, sem TV e muito menos os questionáveis videogames.

Ser “cinquentinha” é também ser “envelhecente”, com altos e baixos típicos da transição de idade, sentindo-se às vezes com vinte e em outras com setenta anos, achando seus contemporâneos envelhecidos, embora seu bom senso permita que eles pensem o mesmo de si. É chorar e gargalhar menos, mas sorrir mais. É ter seu termostato enlouquecido, com ondas de frio e calor diferente das outras pessoas, causando estranheza e muitas vezes embaraços. Isso ou optar pela reposição hormonal, inchar como um balão e aproveitar a desculpa para saborear todos os doces proibidos, concluindo que maiô é muito mais elegante que biquíni e que o sol da praia é um perigo para a pele. É, de repente, ser chamada de “senhora” por todos os jovens bem educados e de “tia” pelos nem tanto. É valorizar mais o amor-calmaria, o amor-companheirismo, o amor-sintonia. É ter a casa cada vez mais cheia de porta-retratos, mesmo apreciando menos as fotos “ao natural”.

Chegamos a essa etapa da vida com “o pacote completo”: rugas, varizes, flacidez, cabelos brancos, filhos criados, trabalhos dobrados e ainda a desejada e assustadora aposentadoria. Não podemos mais gerar filhos, tampouco trabalhar, precisamos esvaziar nosso armário e cedê-lo a alguém mais jovem, com mais energia. Isso não significa, todavia, que somos descartáveis, apenas que é hora da colheita e não mais da plantação. Quem teve a sorte de chegar até aqui com um companheiro fiel e carinhoso, leva vantagem. Caso contrário, vale a pena correr atrás e encontrar seu par para a próxima etapa da vida. Afinal, podemos caminhar de mãos dadas, dançar, ir ao cinema, viajar, ser feliz. Até porque, com a indústria da beleza a nosso favor, tem muita mulher de cinquenta arrasando nas passarelas da vida. Além do que a beleza da alma não é apenas um eufemismo, ela existe e se manifesta de forma vigorosa na maturidade.

Completar 50 anos, por fim, é agradecer a Deus por ter chegado com saúde ao topo da colina e, uma vez lá, aproveitar bem a paisagem antes de começar a descida.

Afinal, meninas, somos cinquentinhas, mas continuamos adoráveis!

 





2 comentários:

Líbero disse...

Realmente chegar aos cinquenta era tão temido que assustava mesmo, eu que o diga, queria sim chegar aos dezoito, mas não queria sair dali, mas o trem da vida anda, precisa chegar em outras paradas do tempo, e nós também precisamos as diversas fases que a vida nos presenteia. Quando eu me aproximei dos cinquenta parecia que a vida estaria perto do fim, não foi. Agora quero chegar aos não sei quanto, talvez setenta, oitenta, sei lá, tudo que for possível. Gostei do texto, só o conheci agora, hoje. Realmente ele é merecedor de premiatura. Obrigado por nos proporcionar uma bela e saudosa leitura: bela porque tem significados e saudosa porque nos traz de volta recordações que pareciam estarem quase esquecidas no baú do tempo. Parabéns pelo texto.

Maria Luiza Vargas Ramos disse...

Muito obrigada Líbero! E volte sempre!