terça-feira, 22 de janeiro de 2013

BLASFÊMIA




“Senhor Deus dos desgraçados, dizei-me então senhor Deus, se é mentira ou se é verdade tanto horror perante os Céus.”

Valei-me Castro Alves para externar minha perplexidade diante da verdadeira implosão do solo nos lugares alagados e das rachaduras cruéis no sertão nordestino, mas “vida seca” do que nunca.
Dentro de casa, com roupas secas, banho morno e comida na mesa, a única chateação é o fato de não se poder pegar praia quando chove ou venta muito e precisar ligar o ar condicionado do carro e da casa o tempo todo nos dias em que o sol se impõe e lambe a gente com o poder dos seus raios.
Só que a realidade de muitos brasileiros não é esta. Parece que a terra é uma massa de bolo desandada, que escorre para fora da forma, levando tudo por diante em algumas regiões do país. E, em outras, tudo morre por falta de água e, consequentemente, de comida.
Na hora de dormir, com a cidade quieta, meus pensamentos, enlouquecidos, parecem querer jorrar para fora da cabeça e, se não os traduzo em palavras, sinto que explodirei. Numa casa no morro dormia o pai, a mãe e duas meninas, de oito e três anos. Só o pai se salvou, pulando pela janela quando ouviu o primeiro estalo da madeira. Como este homem conseguiu pular deixando as meninas? Já nem digo a mulher, porque a gente sabe como é, mas as filhas?! Será que o instinto de sobrevivência é tão forte assim? E o instinto paterno, não existe?
Não suporto ver homens velhos chorando. Acho que isso se deve ao fato de saber que eles são de uma geração onde homem não chorava, por isso, a dor deve ser muito grande mesmo, de ver seu escasso patrimônio consumido pela água e ele sem tempo, ou forças para reconstruí-lo. E são muitos velhos chorando.
. Não pude deixar de imaginar porque as cadeias são construídas em lugares seguros, cheias de cimento e grades, ao invés de estarem nos morros de terra fofa, esses que caem primeiro, ou nas margens dos rios que costumam transbordar.  Complexos penitenciários para presos de alta periculosidade poderiam também ser construídos no meio dos mandacarus, por que não? Estou cheia de ver essa bandidagem super protegida e super alimentada, enquanto pessoas decentes perdem tudo, inclusive a própria vida, por não poderem morar num lugar mais seguro.
Se isso é blasfêmia, que Deus me perdoe. Não consigo ver trabalhadores soterrados pelos deslizamentos, ou com a vida curtida pela inclemência do sol e do céu azul, enquanto estupradores bebem cachaça nos botecos, ou dormem na cela quentinha, cheios de revistas pornográficas e merendinhas levadas pela família, ou adquiridas ilegalmente na cadeia mesmo.
Parece que o nosso planeta chegou mesmo à exaustão.
Mais uma vez, essas pessoas dependem da solidariedade dos brasileiros. Não dá pra ficar de braços cruzados, a gente tem que fazer alguma coisa. Hoje são eles, quem sabe daqui a pouco seremos nós? A depender dos recursos destinados - e desviados  pela corrupção e roubalheira inerente a esses órgãos e pessoas  - Deus nos acuda!
Se você puder ajudar, há inúmeras formas. Não se omita, eles estão realmente precisando, nem que seja de orações.



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