quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

DILEMAS DA "PIOR IDADE"

     Tirei os óculos cor-de-rosa, parei de dourar a pílula, descartei as luvas de pelica. Chega de hipocrisia!
    A infância, no meu tempo de meninice e liberdade, numa cidade do interior gaúcho, com a família e a vizinhança que eu tinha, foi sem dúvida, a época mais feliz da minha vida!
     A adolescência, mesmo com seus conflitos, é um tempo de tantas descobertas, da gente e dos outros, da vida enfim, que tem muitos encantos.
     A juventude tem a força, o vigor, a determinação, a beleza, o futuro nas mãos e, por isso, constitui-se numa época gloriosa.
     Na idade adulta matamos um leão por dia, mas já podemos nos orgulhar do rumo que demos à nossa vida, enquanto formamos nova família e nos enchemos de responsabilidades, planos, dívidas e sentimentos novos e fortes.
     Depois, na verdade bem depois, chega a aposentadoria, a andropausa e menopausa, o saldo bancário melhora, os sonhos diminuem, a pressa acaba e ingressamos na era das reminiscências, revisitando lugares e pessoas que, na correria insana dos últimos anos, não tivemos tempo de prestar a atenção devida. Para muitos, isso já não será possível, pois algumas pessoas muito caras se cansaram da espera e partiram.
     O cabelo diminui, inclusive nas mulheres; os fios brancos teimam em aparecer cada vez com mais vigor; a vista encurta, os óculos não dão conta de ajustar; o volume da TV aumenta; as mãos enrugam; o corpo escolhe um dos caminhos: ou continua magro, só que com a aparência de uma passa de pêssego, ou engorda como sólida matrona ou pesado e barrigudo cavalheiro; até os dentes não param direito no lugar e muitos precisam ser reimplantados. Existem exceções, é claro, sempre as há! São, todavia, casos excepcionais e convincentes, desde que não analisados muito de perto, ou com nossos óculos de grau.
     Acredito que o cérebro demore mais a ficar decrépito; então, por que será que as pessoas insistem em tratar os mais velhos como "príncipes", "maravilhosos", fiéis representantes da "melhor idade"?
     Melhor idade pra quê? Pra quem?
     Cansa pra caminhar, cansa pra subir escadas, geme pra abaixar, geme pra levantar, dói o joelho, dói o ciático, isso quando não aparecem doenças graves, que preferem surgir nessa idade maravilhosa.
     É claro que nem tudo são espinhos!
    É o tempo do reconhecimento do que fizemos na vida, isso quando esse reconhecimento não surge apenas depois da nossa morte.
    Escrevi durante a minha vida toda. Talvez até melhor do que escrevo agora. Nunca recebi tantos prêmios, medalhas e homenagens como tenho recebido. E adoraria recebê-los com o corpo esbelto, os cabelos fortes, a vista clara, os dentes perfeitos.
     Não gosto de envelhecer. Não vejo a menor graça nisso. Brigo com o espelho todo santo dia e não me conformo. Tirar e botar os óculos para tudo, dormir menos e mal, levar horas até encontrar uma roupa que realmente caia bem, querer mudar tudo e achar que passou do tempo, coisas assim me fazem abominar esses paliativos que criaram para que não surtemos de desencanto e dissabor.
     Aqui, na internet, no blog, nesse mundo virtual, é o único lugar onde consigo me sentir inteira, igual a todo mundo, sem limitações, sem desgastes, sem complexos.
     Não gosto dessa sessentinha em que me transformei, prefiro a outra, a que escreve, a atemporal, a metafísica, eu mesma!


2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto, concordo com tudo, principalmente com a hipocrisia do eufemismo "melhor idade". Bete

Jeanne Geyer disse...

é bem assim, mas pé no chão e a certeza que és sim atemporal ajuda. Ninguém vai perceber, alguns vão te tratar como uma "senhorinha", odeio essa expressão, mas tu sabes que estás inteira e integra, essa fase faz parte da vida, todos vão passar, acho que conforta um pouco pensar dessa maneira, nem vou te dizer que a sabedoria compensa, pq não é verdade, todos nós trocaríamos tanta sabedoria por muitos anos a menos,rsrs bjs