Sempre atenta à genética familiar e às pernas roliças da
avó, a menina se esmerava nos esportes, nas danças, nas mil e uma atividades,
esnobando a comida saborosa da cozinheira de tantos anos. Parece mesmo que o
paladar só se desenvolve quando adormecem outros prazeres da vida. Beijar era
muito melhor!
Entre as conquistas profissionais e a formação de sua própria
família as roupas ficavam cada vez mais folgadas e o corpo mais firme. Não era fácil
criar filhos sem telefone, lava louças e outras modernidades.
E assim a menina, já mulher, seguia pela vida granjeando
elogios ao corpo que o trabalho e o corre-corre da vida lhe proporcionava, sem
fast foods, sem comida por telefone, com apenas um carro na família.
Passa o tempo, passa o tempo, passa o tempo... chega a aposentadoria,
as facilidades domésticas, os filhos debandam e sobram momentos preciosos para experimentar
receitas, provar bebidas, rever filmes, reler livros. Aos poucos, a genética
falou mais alto e ela foi se assemelhando às mulheres da família. Perdeu toda
roupa, até os sapatos ganharam um número a mais e os elogios trocaram de
destino – agora eram para sua comida.
Poucas mulheres se sentem bem quando engordam. A não ser
quem passa pela vida sempre com quilinhos excedentes, as demais vivem correndo
atrás do corpo que um dia tiveram, ou que sonharam para si.
Com nossa protagonista não foi diferente. Mesmo procurando
se adaptar às novas formas, comprando roupas adequadas e bonitas, chamando
atenção para a pele lisa e o novo estilo de cabelo, no fundo ela não gostava
nada da imagem que o espelho lhe devolvia.
Tomou a decisão que todos esperavam; fechou a boca,
ingressou em mais de uma academia, comemorou cada grama perdida e... murchou –
literalmente! À medida que seu corpo adelgaçava ela ia perdendo o gosto pela
vida, por tudo. Não ao vinho tinto, não aos queijos, não às macarronadas, não
às pizzas, não aos doces, bolos e sorvetes, só maçãs, biscoitos insossos e
leite aguado. Que tristeza! Porque, para ela, uma fatia fininha de pizza, uma
colher de risoto, uma fatia transparente de queijo, um quadradinho da barra de
chocolate, era melhor nem comer.
Perdeu novamente toda roupa, a pele ficou flácida, os seios
murcharam e a única vantagem real foi a diminuição drástica da taxa de colesterol
no sangue. A sanfona estava fechada e dela já não saía música alguma.
Seus parentes e amigos já não sabiam se tinham feito a coisa
certa, pois perderam os banquetes que ela preparava saboreando um bom Malbec.
O guarda-roupa abrigava roupas de dois tamanhos e a
nostalgia dava lugar ao entusiasmo sempre que conseguia vestir uma daquelas
roupas que um dia lhe caíram tão bem.
No momento, a sanfona permaneceria fechada, mas sem se desfazer
das sedas e cetins comprados nas lojas plus size.
Nada é definitivo na vida, e a própria vida está em
constante movimento.
Quem sabe voltaria a fazer sua famosa bacalhoada na Semana
Santa?!
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