Não é simples, nem proveitoso, combinar o calor do momento
com o ato de pensar sobre o acontecido. Outrossim, nem sempre a calma e frieza
que o tempo agrega aos fatos geram uma verdade mais equilibrada. Muitas vezes,
o que conseguem é mascarar os acontecimentos e amenizar o que não deveria ser
amenizado.
O triste episódio do massacre dos chargistas do Charlie
Hebdo, em Paris, já dói menos, o estupor foi amenizado pelos novos ventos e inúmeros
problemas, mas a discussão não se esgotou. Há indícios de que, a se considerar
prós, contras e meios, será uma discussão infinda e inconclusiva. Principalmente
se o assunto no Ocidente (leia-se principalmente Brasil) for abordado como mais
uma estéril pendência entre direita e esquerda.
Razões para o massacre? Nenhuma! Todos nós somos passíveis
de crítica. De deboche, de charges, sem que, com isso, nos proclamemos no
direito de sair matando os críticos ou desafetos.
Se os muçulmanos no Ocidente são uma minoria explorada e mal
tolerada, os africanos negros são tudo isso, ainda mais, mas não detonam
bombas, nem matam.
Os fundamentalistas autênticos, como os budistas tibetanos
ou os amish, por exemplo, são pacifistas, reflexivos, completamente
indiferentes ao hedonismo ocidental. O máximo que se permitem é sentir pena
destes que, segundo suas crenças, estão fadados ao fracasso e à infelicidade.
Há que se pensar no quanto deve ser frágil a crença desses
muçulmanos fanáticos para que se sintam tão ameaçados por uma caricatura estúpida
publicada num semanário satírico.
Pessoalmente, não aprecio charges desrespeitosas, obscenas, maldosas.
Não vejo a menor graça nelas, por isso as ignoro.
O que defendo, como este pronunciamento famoso que atribuem
a Voltaire, mas deve ter sido escrito por um de seus discípulos, é que: “Não
concordo com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo.”
Assim, mesmo não apreciando as referidas e polêmicas charges, mesmo não sendo
Charlie, continuo indignada com a barbárie e cada vez mais assustada com a
marcha sanguinária desses que vilipendiam seus semelhantes em nome de quem só
pregou o Bem, a Paz, a Fraternidade.
Para encerrar este texto, que precisou de muitos dias e
noites para aplacar sua veemência e neutralizar suas emoções, faço uso das
palavras de Scott Long, num texto forte e elucidativo publicado na blogosfera e
na Folha de São Paulo:
“Eu defendo a liberdade de expressão. Sou contra toda
censura. Repudio os assassinatos. Não sou “Charlie”.”
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