Escrevi este texto há quase oito anos. Hoje ela já não lê mais, pois seus olhos se gastaram no mundo mágico das letras. De resto, continua lúcida, saudável, risonha, gregária ao extremo.
As moças da minha
geração casavam cedo e usavam grossas alianças de ouro. Não fugi à regra. Com
dezoito anos deixei meu lindo quarto de ferro cor-de-rosa, feito pelo
Fontanari, e fui morar num apartamentinho, com todas as responsabilidades de
uma recém-casada. Aos dezenove já era mãe do Luciano e três anos depois,
com mais um bebê de dois meses nos
braços, deixei meu Alegrete.
Tive bons vizinhos
nas cidades por onde andei, mas nenhum tão bom quanto a nova vizinha que tenho
agora. É uma mulher encantadora, daquelas que a gente gostaria de ter passado
cada minuto da vida ao lado. Tem 85 anos e um brilho juvenil nos olhos e na voz
. É diferente de todas as mães, avós e bisavós que conheço, porque sua cabeça
não envelhece.
Dorminhoca,
noveleira, não dispensa a leitura diária do jornal, principalmente da parte
política e econômica. Prefere rádios AM, para ouvir as notícias, e assiste
futebol na TV sem reclamar. Aliás, ela não reclama de nada, nem se exclama. Não
briga com ninguém, não faz fofocas, não procura defeitos nos outros. Como não é
perfeita, lida muito mal com dinheiro e tem a pretensão de resolver os
problemas de todos com seu talão de cheques.
Poucos colegas da
minha área de Letras leram ou lêem tanto quanto minha vizinha. Além do jornal,
devora romances em poucos dias, faz palavras cruzadas e lê as revistas sobre as
novelas, para contar o que vai acontecer no momento em que a gente está
assistindo.
Ela caminha pouco,
mas se entretém no sofá, com suas rezas e leituras, lugar preferido da minha
cachorrinha, que a “chama” de vovó.
Diz que nunca
aprendeu a cozinhar, embora seja uma boa “teórica” no assunto. Ela diz não
ligar muito para arrumações, todavia está sempre caprichosamente perfumada e
com um sorriso nos lábios pintados de vermelho. Emociona-se quando fala da
família e dos amigos que deixou em sua terra natal e é completamente apaixonada
pelos filhos e netos.
Minha nova
vizinha se chama Conceição, mora no meu
prédio e eu a visito várias vezes ao dia. Foi uma segunda chance que o Pai do
Céu me deu para conviver com esta pessoa adorável, que é também minha mãe.
Florianópolis,
dezembro de 2004.
Um comentário:
Uma ternura esse texto, Maria Luiza.
Foi abençoada.
Beijinhos
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