Não
sei por que, assim sem mais nem menos, a saudade que sinto de ti resolveu
machucar. As lembranças – tantas! – afloraram com força e eu desejei, como
nunca, poder te ter por perto mais uma vez.
Sempre
que a vida me atropela, que os problemas parecem se agigantar, ameaçando me
engolir, procuro a tua mão, teus conselhos e todo o amparo que sempre tive ao
teu lado. Tu me ensinaste a ser forte, a não desistir, a resolver, no entanto,
em certos momentos parece até covardia a enxurrada de coisas que preciso administrar.
Então, sinto vontade de correr em busca da tua proteção outra vez.
Queria
conversar contigo mais uma vez, te vendo com as pernas cruzadas, com o peito
cheio de talco após o banho, a seriedade nos assuntos sérios e aquela risada
gostosa, de olhos marejados, nas poucas piadas que ousavas contar. Nunca ouvi
um palavrão da tua boca e os poucos xingamentos, no auge da indignação, eram
sempre em castelhano.
Queria
sentir teu cheiro de gasolina de avião no macacão quando chegavas do Aeroclube,
sempre modesto, simples, levando uma bolacha enrolada em papel de pão para
comer durante a tarde e chegando para tomar mate em casa porque não gostavas de
mates compartilhados, rodas grandes, cuia que demorava nas mãos.
Daria
tudo para me fazeres sestear à força no chão ao teu lado nas férias quentes,
para não fazer barulho lá fora. Ou para abotoar aquela fileira de botões das
tuas polainas, ajudar a tirar tuas botas, lustrar teus sapatos. Não gostava
muito de costurar tuas camisetas, porque a agulha teimava em furar meus dedos e
porque eu sabia que nem usavas mais aquela roupa, era apenas para me fazer
sossegar numa cadeira.
Queria
ver de novo teu semblante orgulhoso nas minhas apresentações, quando declamava,
fazia discursos ou tocava piano. Tua aprovação para as minhas crônicas do
jornal era importantíssima e, quando alguma parte te desagradava, me escrevias
longas cartas explicando o que achavas que eu não estava entendendo da forma
certa, com os arroubos universitários e a tendência esquerdista da doutrinação
dos professores e colegas. Tu estavas tão certo! Era tudo um engodo mesmo!
Que
vontade de ouvir tua voz bonita cantando tangos e boleros, ou apenas chamando
meu nome: - Baísa! Foi o apelido que o Dadinho me deu e o mantiveste, assim
como jamais te libertaste da dor de perder o filho caçula.
Pai,
tenho cuidado dia e noite da tua amada e fico cada dia mais triste por vê-la
tão velhinha, tão frágil, tão centenária. Ela continua lúcida e, por isso
mesmo, sofre mais com as limitações e o desgaste do corpo. Não é fácil tentar
conformá-la com a pouca visão, a pouca audição e a imobilidade das pernas. Ela
está sempre se lembrando de ti, do quanto foste um marido maravilhoso e da saudade
que sente todos os dias.
Queria
tanto que conhecesses meus netos! Bruna fala em ti como se tivesse te conhecido.
E ias adorar ver a Mariana tomando mate! Alice e Lívia parecem duas bonequinhas
de olhos azuis. Lucas poderia ouvir de ti os conselhos que meus filhos ouviram
e até hoje norteiam a vida deles. Kadu está no Japão e sempre trabalhando em
fábricas de aviões! Desde pequeno só queria ganhar aviões de presente, imagino
o teu orgulho ao saber disso!
Pai,
paizinho, se a gente pudesse voltar no tempo e conversar lá na Mariz e Barros,
tu sentado na espreguiçadeira ensinando o nome das constelações, ou com a
máquina de Flit afastando os mosquitos.
Hoje
a saudade me apunhalou mais forte. Sempre fui tua amiga, tua fã, tua seguidora
incondicional. Queria ser parecida contigo em tudo, porque te admirava muito!
Espero não te decepcionar, só que hoje parece que amanheci mais frágil...
Tomara
que tenhas encontrado o Dadinho e que estejas em Paz, num lugar bem menos
atribulado. Se puderes, protege essa tua filha, bem como toda a nossa família e
me orienta nos momentos em que fico indecisa, ou sufocada pelas intempéries.
Pai,
seu Ramos, como sinto tua falta! Como faz falta no mundo e nas famílias homens
como tu!
3 comentários:
Que lindo texto amiga. E também lembrei do meu pai!
Faço dás suas as minhas palavras. Meu pai Euclides Pereira Paim, se vivo fosse, estaria completando 105 anos, no dia 2 de janeiro de 2020. Saudades. Muita saudade.
Bela declaração de amor. Seu pai com certeza está orgulhoso de você,
Tenhas a certeza que ele está sempre contigo e com dona Conceição.
Abraço. Que deus acalme teu coração.
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