Escrevi este texto há vinte anos.
Está publicado no meu primeiro livro de crônicas - "GAZETEANDO".
Para um iniciado em Literatura, não é
de bom tom ou muita eficácia abordar um assunto sem o necessário
"distanciamento", porque a emoção nos impede a neutralidade e até
deforma os fatos.
Acontece que, sem profissionalização ou
maiores estudos, tenho em mim, latente, uma veia de repórter que fica me
cobrando um posicionamento e um comentário sobre as coisas de maior relevância
na vida do meu povo.
É por isso que, ainda consternada com o
desaparecimento de um dos maiores de nossos escassos heróis, resolvi comentar a
trágica e derradeira corrida de Ayrton Senna rumo à morte, no Primeiro de
Maio dos trabalhadores.
Grotesco o "presente de
grego" que esta classe ultrajada o oprimida recebeu na sua data.
Duplamente traída, já que suas queixas e desesperanças, diante da fatalidade
que atingiu seu ídolo, não foram sequer ouvidas ou comentadas em parte alguma.
Quando me refiro à pouca surpresa com o
acidente de Senna baseio-me não nos conhecimentos rudimentares que tenho da
Fórmula 1 (nem mesmo aprecio muito este que reluto em considerar
"esporte"), mas no suficiente que já li sobre o piloto, sua
impulsividade, seu desejo de vencer a qualquer preço, a maneira temerária com
que se lançava na disputa, a ponto de terminar corridas completamente
estressado, sem condições até para caminhar.
Ayrton Senna deve ser admirado por ter
sido o melhor na carreira que escolheu , pelo bom caráter que sempre demonstrou
e pelo patriotismo de amar tanto sua pátria e colocá-la em destaque no mundo
inteiro por um motivo engrandecedor - logo este pobre Brasil que só bate
recordes negativos: de violência, corrupção, miséria, extermínio, escândalos.
Muito obrigado, Senna, por dez anos o mundo pôde admirar um brasileiro!
Agora, nunca vi alguém virar mito tão
depressa! Com certeza, ele próprio se surpreenderia com a força incontrolável
das manifestações por todos os cantos do país. Isso me assusta! Será que esta
fama de latinos, passionais, desesperados, apaixonados nunca irá se neutralizar
um pouco?!
O Brasil é carente de
"heróis"! O Brasil não vive sem heróis! O Brasil morre com seu heróis
... ou os esquece em poucos dias.
Será que esta dor crucial do povo
brasileiro pela morte de Senna sobreviverá à Copa do Mundo? Ou surgirá nela um
novo "herói"?
Fico perplexa ao lembrar do "choro
e ranger de dentes" que sobreveio à
morte de Tancredo Neves, seguido pela apoteose popular ao "Caçador de
Marajás", derrubado violentamente pelo mesmo povo (que pintou a cara para não
ser reconhecido).
Calma brasileiros e brasileiras!
Guardem um pouco desta paixão visceral para se indignarem com a miséria faminta
deste país de tantos ricos; com a ignorância e o descumprimento dos Direitos
Humanos; com a falta de solidariedade destes que só se unem em torno de uma
catástrofe ou de um herói.
Ayrton Senna morreu! Vai fazer muita
falta para o automobilismo, para os brasileiros e, sobretudo, para a sua
família. Mas morreu na "pole-position", no melhor carro, jovem,
bonito, saudável e vencedor. Ainda bem! Porque, se demorasse a vencer, se
adoecesse ou ficasse velho para a Fórmula 1 ... este mesmo povo choroso
virar-lhe-ia as costas e o condenaria ao esquecimento, porque este é um país
sem memória!
junho de 1994.
Nenhum comentário:
Postar um comentário